Instituto Cervantes quer desvendar "amor português" de Cervantes

"Nunca se estudou Cervantes em Lisboa", diz o director do Instituto Cervantes de Lisboa. Conferência proposta para Abril de 2016.

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Miguel de Cervantes esteve em Lisboa durante dois anos

O director do Instituto Cervantes de Lisboa disse à Lusa que vai organizar um congresso sobre a permanência do criador de D. Quixote em Portugal, para esclarecer aspectos misteriosos da vida do escritor espanhol, incluindo "o amor português".

"Há quem diga que Miguel de Cervantes teve uma filha de uma mulher portuguesa e há quem diga que a mesma pessoa é filha de uma taberneira de Madrid. Há um debate sobre o assunto", disse à Lusa o director do Instituto Cervantes de Lisboa, Javier Rioyo, intrigado pela falta de dados concretos sobre os quase dois anos em que o escritor espanhol viveu na capital de Portugal, sob o reinado de Filipe II que herda a coroa, após a morte de D. Sebastião, em 1578.

De acordo com Javier Rioyo, há muitos documentos que se encontraram estudados, mas existem também muitos assentos de nascimento que levantam dúvidas, sobretudo no que se refere a uma suposta filha de Cervantes, nascida em 1584. Miguel de Cervantes abandonou Lisboa, provavelmente, no ano de 1583 e não se sabe se ela é o "produto do amor português" que o acompanha em Espanha, se nasceu em Lisboa e depois foi para Espanha ou se já nasceu em Madrid.

"Há opiniões divergentes. Eu conheço as obras dos biógrafos mais importantes, mas não existe consenso sobre este assunto em particular e essa é uma questão que não está devidamente estudada", afirmou.

Os 400 anos da publicação do segundo volume de O Engenhoso Fidalgo D. Quixote de La Mancha (1615), considerado o primeiro romance moderno, são assinalados este ano e, em 2016, cumpre-se o quarto centenário da morte de Miguel de Cervantes Saavedra (23 de Abril de 1616).

Actualmente, uma equipa de cientistas tenta identificar os restos mortais de Cervantes (1547-1616), sepultado na igreja das Trinitarias, em Madrid, e onde pode estar sepultada a mulher com quem se casou, Catalina de Salazar, ou então a "enigmática" portuguesa.

"Há um mistério que está relacionado com a tumba onde supostamente está Cervantes, onde provavelmente estão sepultados também os restos de uma mulher que tomou os hábitos de freira, e que é portuguesa, e também a filha dessa senhora. Por isso, levanta-se a hipótese de estar aí enterrada a tal filha de Cervantes. O fruto do 'amor português'", sublinha o director do Instituto Cervantes, recordando que, tal como Camões ou Shakespeare, o autor de D. Quixote escondeu muito da própria vida.

"Estes homens tapam-se, ocultam muitas coisas. Sobre Cervantes há muitos rumores, inclusivamente de bissexualidade e de ter tido uma pandilha de amigos que eram talvez mais do que amigos. Estas coisas não são demonstráveis com facilidade, mas há muitos historiadores que já se referiram à bissexualidade de Cervantes", diz Rioyo que pretende promover o estudo sobre a passagem do escritor pela capital portuguesa.

Ferido na batalha de Lepanto contra os turcos (1571) - onde perdeu um braço - e após sete anos de cativeiro na Argélia, Cervantes regressou em 1581 ao reino de Filipe II, que acabava de instalar a corte em Lisboa. "Até essa altura, ele escrevia apenas alguns poemas e aqui começa a escrever a primeira novela La Galatea, que inclui aromas de Lisboa, as margens do Tejo, ou a primavera portuguesa. Há personagens portugueses e, a partir daqui, Cervantes começa a deixar rastos do seu portuguesismo. Um famoso historiador espanhol dizia, por brincadeira, que Quixote era uma personagem portuguesa", refere.

Para o responsável pelo Instituto Cervantes de Lisboa, é preciso estudar mais, apesar do terramoto de 1755 ter destruído muita documentação da época.

Miguel de Cervantes esteve em Lisboa, onde chegou a encontrar-se com o irmão Rodrigo, para pedir um cargo "junto dos homens mais influentes", justificando que esteve ao serviço do rei. "Dão-lhe esperança, como tantas vezes acontece, mas, no fim, não lhe dão nada, apenas uma operação de espionagem no norte de África, tendo-lhe oferecido 100 ducados. Cinquenta foram pagos à partida e cinquenta recebidos no regresso a Lisboa", explica.

"Nunca se estudou Cervantes em Lisboa. Sabe-se que esteve aqui dois anos, mas o que fez? A ideia que quero levar a cabo é um encontro de historiadores 'cervantinos' e historiadores da época que nos situem a nível político, social, económico e militar. E já agora, como viveu Cervantes? Com que posses? É preciso organizar este encontro para que historiadores portugueses comecem a dar luz neste terreno tão cheio de especulações sobre os tempos portugueses de Cervantes", defende o director do instituto.

De acordo com Rioyo, a organização tem por objectivo realizar a conferência sobre a passagem do escritor por Portugal, em Abril de 2016, para que, durante um ano, se possa reunir mais informação e contactar académicos interessados em discutir e estudar os mistérios lisboetas do autor de D. Quixote.

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