“A Minha Mãe Acha que Fui Trocada à Nascença”: a telenovela gráfica de Sara-a-dias

É uma biografia, um diário, uma (tele)novela gráfica. "A Minha Mãe Acha que Fui Trocada à Nascença" é a história de Sara-a-dias, banda-desenhada que agora ganha vida fora da Internet

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Uma nasceu feita "macaquinho" em 1986, filha de pai com ouvido para a música e mãe sempre pronta a disparar uma desarmante pergunta ("Que idade é que me dá?"), cresceu em Mosca da Pevide (ou Moscavide) e, como (quase) todas as crianças, morria de medo do Chucky. Mais tarde, teve amores e desamores, foi uma literal "queima-pestanas" até chegar aos "call centers" e à precariedade em geral.

Outra brotou a 5 de Março de 2012, depois de um incidente com um "tupperware" numa poça de água, para sempre eternizado num "simples, tosco e obeso desenho". Uma é Sara Osório, outro é o alter-ego ilustrado Sara-a-dias, autora da novela (ou telenovela) gráfica "A Minha Mãe Acha que Fui Trocada à Nascença". O lançamento é a 17 de Março na Livraria Alêtheia (Rua do Século, Lisboa). Um "novíssimo testamento", diz a autora da 'palavra sara-a-dias', que nesta entrevista, por email, elege um primeiro mandamento: "Não tardarás a pagar ao 'freelancer'".

Porquê fazer um livro que é um "'rewind' à infância, à escola, às paixões e às horas extraordinárias"?

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O sara-a-dias sempre foi muito pessoal. Quando iniciei este projecto defini a minha permissa: "Dia sim dia não. À hora ou ao minuto. São apontamentos de um quotidiano". E assim tem sido durante estes três anos. Quando falo do meu dia-a-dia, falo de tantos outros que também vivenciam o mesmo que eu: seja ficar a rebolar depois de um buffet de sushi; esperar horas na segurança social; nunca ter trocos para o parquímetro; ou a dor de comprar um saco de plástico, quando tenho trezentos lá em casa. Por esta razão, quando me atirei à ideia de fazer um livro, não quis simplesmente reunir tudo o que já tinha partilhado. Pensei: "E se tivesse que contar a minha vida a um desconhecido?". Fiz praticamente tudo de raiz, dividi o livro em quatro partes (infância, escola, paixões e horas extraordinárias) e decidi recuperar histórias que oiço em "loop" na minha família, juntamente com as minhas histórias que talvez conte em "loop" aos que me rodeiam. Felizmente estão agora eternizadas no papel, não vá eu esquecer-me delas, como a pobre sina dos sacos.

Não és demasiado nova para fazeres a tua biografia? Devemos esperar mais capítulos?

Nunca tive um poder de síntese e, mesmo sendo nova, acho que era capaz de ilustrar mais uns tantos volumes com tantas outras peripécias. Não querendo ser herege, isto pode até ser o início de um "novíssimo testamento". Vou talvez começar por definir os mandamentos e, daqui a um milénio, terei seguidores que espalharão a palavra sara-a-dias: "Não tardarás a pagar ao 'freelancer'".

Qual foi a reacção da tua mãe ao título?

"Ai filha, não ponhas isso. As pessoas ainda vão achar que é verdade." Neste momento já aceitou e repete várias vezes: "Já viste como uma coisa que eu te dizia várias vezes deu origem a isto?".

Há mais vídeos caseiros de onde aqueles vieram?

Louvado seja o meu pai que sempre foi muito virado para a tecnologia e tinha na altura uma destas câmaras. Graças a isso temos alguns VHS com estas relíquias, mas também com concertos e programas (como o "Parabéns" do Herman José) gravados lá pelo meio. Tenho um vídeo que adoro, com uns três anos, em que experimentei a bicicleta que a minha irmã tinha recebido nos anos. A minha mãe quis-me dar adrenalina, acelerou comigo e quase me atirou contra um muro.

Como está a Maria? Aparece pouco...

A Maria, a minha canina, está óptima, tem tantos anos como a sara-a-dias e tem 20 quilogramas. Sendo que o livro se baseia bastante na minha infância, a pequena aparece somente no momento-chave e dos poucos em que o livro se leva a sério. Imaginar que tinha o plano de sair de casa dos meus pais aos 25 anos — e consegui sair aos 24 anos — encontrar a minha cara-metade e ter a minha cadela.

Em 2012, dizias-nos que ainda mantinhas a "esperança" de um dia conseguir viver da ilustração. No último capítulo do livro, falas da tua veia "pro bono" e da mítica frase "É bom para o portefólio" — sentença que marca esta geração e que prevês inscrita na tua lápide. Humor ou profecia?

A nossa geração é esta: com uma enorme vontade de trabalhar mas precária, com medo de pedir uma remuneração por um trabalho pois sabe que haverá qualquer outra pessoa que o aceita sem qualquer custo, porque "é bom para o portefólio". Hoje em dia é difícil perceber quem nos reconhece pelo trabalho e, pelos vistos, "temos que dar graças a Deus" porque o temos. Não existe o contrário. É rara a entidade patronal que demonstra ter sorte porque te escolheu e porque fazes parte da equipa. É raro seres aumentado, teres regalias e pensares numa carreira. Isso deixou de existir, tal como é para mim difícil pensar no futuro. Actualmente, ainda continuo com a mesma "esperança" e posso dizer que sou uma felizarda por ir tendo um bom "feedback" do meu trabalho como ilustradora e ser reconhecida por isso. Vou mantendo as minhas expectativas em banho-maria, pode ser que me surpreenda.

E agora, o que se segue?

Somando-se ao meu trabalho das 9h às 18h, pós-laboralmente estou a tratar dos preparativos para o lançamento oficial deste meu primeiro livro: "A Minha Mãe Acha que Fui Trocada à Nascença"; estou a trabalhar em mais projectos com editoras; alimento o sara-a-dias com os pensamentos que me invadem a mente; e ainda faço encomendas personalizadas para os seguidores da minha página que querem oferecer prendas originais aos seus queridos. Resumindo. Estou aqui, estou a ter um colapso. Mas sempre feliz.

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