A melhor forma de poupar é “fechar os centros comerciais”

Na Semana Europeia do Dinheiro, que termina amanhã, os bancos foram às escolas falar sobre educação financeira. Dentro da sala de aula, há ideias provocadoras sobre como poupar. Umas irónicas, outras sérias. Os alunos do secundário falam facilmente de contas e movimentos. E conhecem o BES e o Novo Banco.

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Até amanhã trabalhadores das instituições bancárias vão às escolas para falarem sobre banca Enric Vives-Rubio

As ideias de poupança dos alunos do 10.º H e do 11.º D vão das mais comuns (“comprar apenas as coisas que são realmente necessárias”) às mais radicais (“fechar os centros comerciais”). Também há as pragmáticas: “Guardar o dinheiro que supostamente é dado para almoçar e trazer comida de casa”. E as provocadoras: “Não investir no Novo Banco” ou “fazer branqueamento de capitais e não pagar impostos”.

Num placard de cortiça de uma sala apinhada de cadeiras na Escola Secundária Daniel Sampaio, na Sobreda, em Almada, há dezenas de post-it coloridos onde se lêem as opiniões dos estudantes, recolhidas numa aula sobre o sistema bancário. A Associação Portuguesa de Bancos (APB) associou-se à Semana Europeia do Dinheiro (European Money Week), organizada pela European Banking Federation, e, até amanhã, leva trabalhadores das instituições bancárias às escolas da Grande Lisboa para falarem sobre banca. No total, 400 alunos participam nestas aulas e ouvem expressões como “taxa de esforço” ou “entidades que regulam a banca”, créditos e débitos, contas colectivas e empréstimos. Na UE, a iniciativa decorre em simultâneo em 21 países.

André Barrosa, de 16 anos, está a sair do pavilhão com uma pasta e uma t-shirt que acabou de ganhar na aula da APB. “Falámos sobre para que servem o dinheiro e os bancos. Não sabia o que era o MBNet”, conta, referindo-se ao serviço da Sibs que permite compras online (ou não-presenciais) através de cartões temporários. André já tem uma conta-poupança “para a faculdade” e recebe 15 euros de mesada, que usa para comprar roupa e comida. “Junto quando quero comprar alguma coisa mais cara”, conta.

Beatriz Gonçalves, da mesma turma, recebe dos pais uma mesada igual. Tem cartão de débito, mas com um plafond controlado. “Não posso levantar mais do que uma certa quantia por dia”, revela. A mesada é usada para as pequenas compras diárias, mas, com uma viagem à Alemanha em mente, todos os tostões são para poupar. “Desde Novembro que ando a juntar dinheiro”, diz. Aos 16 anos, diz que “pensa em grande”: no futuro, quer trabalhar numa empresa, “evoluir lá dentro” e fazer “alguma coisa relacionada com números”.

Rita Machado, coordenadora do projecto de educação financeira da APB, explica que esta é a primeira vez que as instituições bancárias nacionais se juntam para promover aulas nas escolas. Até agora, tem havido iniciativas individuais e a formação que a APB fornece é mais dirigida aos adultos, entre público em geral e jornalistas. Ao longo desta semana, os banqueiros deslocam-se às escolas do ensino básico e secundário da Grande Lisboa para falarem com jovens dos sete aos 18 anos. Os mais velhos respondem a um inquérito, organizados por grupos, e há prémios para os que acertarem no maior número de questões. Os mais novos são convidados a participar no concurso de desenho A Minha Nota de Euro, em que têm de desenhar uma nota à escolha. A intenção é “estabelecer maior proximidade com o significado e a importância do dinheiro”, explica a APB.

Na secundária Daniel Sampaio, André Barrosa e Beatriz Gonçalves fazem parte de uma turma que “estava muito a par do assunto e teve excelentes resultados”, conta Rita Machado. Quase todos têm mesada, mas poucos lidam directamente com contas e movimentos bancários.

No final da manhã, um outro grupo de alunos, dos 9.º e 12.º anos, assistiu à aula de educação financeira. A sessão estava marcada para o meio-dia, mas houve quem chegasse atrasado e de chapéu na cabeça, rapidamente tirado ao sinal de uma das professoras. Paula Teixeira, docente de Economia na escola, começa por explicar aos alunos que, em Portugal, a literacia financeira “tem níveis muito baixos” e é “preciso começar por actuar junto dos mais jovens”. Um estudo elaborado em 2013 pela Universidade Portucalense, focado em alunos do terceiro ciclo do ensino básico e secundário, concluiu isso mesmo: os jovens não têm hábitos de poupança nem estão habituados a lidar com a linguagem financeira. A autora, Eugénia Ribeiro, defendeu, na altura, à Lusa que as aulas sobre o tema deviam ser obrigatórias desde a adolescência para fomentar uma “relação saudável com o dinheiro, competências para poupar e planear despesas”.

Na sala, a sessão prossegue. “Vamos mostrar um filme onde perguntámos a crianças para que serve um banco. Depois haverá um concurso com perguntas e prémios para os vencedores”, descreve Paula Diogo, do Instituto de Formação Bancária, organismo que faz parte da APB. Há risos em surdina quando, no ecrã, uma criança diz que “um banco serve para sentar”.

Em seguida, os questionários são distribuídos. Organizam-se vários grupos de cinco elementos, baptizados na hora com nomes como Os Reis do Mercado, Os Poupadinhos ou Kingsman. Sara Marques, de 14 anos, junta a cabeça à das colegas para decidir qual é a resposta certa a uma das 20 perguntas. “O que é a taxa de esforço?”. Escolhem a hipótese B: “É a capacidade para pagar uma dívida tendo em conta o rendimento familiar e todas as despesas com créditos”. “É importante planear a reforma?”, lê-se na questão número 12. “O meu pai diz que esteve a vida toda a descontar e está pior do que estava. Está sempre a dizer isto, por isso acho que é importante planear”, argumenta uma das estudantes.

Sara diz que só foi uma vez a um banco, quando era pequena. “Não me lembro muito bem. Mas acho que ajuda as pessoas a investir e a guardar o dinheiro”, conta. Quando perguntamos se confia na banca, Sara hesita. “Depende. Alguns bancos estão a falir e há vários problemas. Eu prefiro poupar em casa, tenho mais controlo”, diz, acrescentando que não tem mesada e vai pedindo aos pais quando precisa. Tomás Almeida, de 17 anos, 12.º ano, lembra que as instituições bancárias “são necessárias à economia, mas, se não forem reguladas, podem dar origem a casos complicados”. Está a par do colapso do BES, mas, “por uma questão de lucro”, não tem dúvidas onde guardaria as poupanças: “Num banco, claro”. O grupo do Tomás – que quer seguir Economia ou algo relacionado com a área financeira conseguiu acertar na totalidade das 20 perguntas. Foi desempatar o concurso frente a “Os Reis do Mercado”, que acabaram por conseguir conquistar o primeiro lugar.

Vítor Lobo, quadro de um banco nacional, detalhou alguns dos conceitos, frisando a necessidade de pagar de forma segura na Internet. “Nunca, nunca, nunca cedam dados”, alerta. Defende o “pagamento seguro” através do MBNet, para “evitar fraudes e usurpação de dados”, e “definir um saldo máximo”, conselhos que os alunos podem, ou não, levar para casa. Os alunos surpreenderam-no “pela positiva”.

“Esta é a fase adequada para que estas questões relacionadas com a educação financeira sejam levantadas. E iniciativas como esta já deviam ter sido desenvolvidas há épocas, tal como sessões dedicadas à indústria seguradora”, sustenta. Vítor Lobo também defende que devia ser criada uma disciplina obrigatória, mesmo que não contasse para a média, e transversal a qualquer área de estudo. “Teríamos cidadãos mais informados. Se a lei obriga a fazer um seguro, por exemplo, ou se, quando se abre uma conta, é preciso cumprir determinados requisitos, os cidadãos têm de ser informados e terem noções num contexto de ensino”, continua.

As sugestões dos alunos para poupar, escritas à mão nos post-it coloridos colados no placard da sala de aula, mostram que, pelo menos, alguns têm noções concretas de como gerir o dinheiro. “Colocar todos os dias um euro no mealheiro”, “não ir ao centro comercial com mais de cinco ou dez euros na carteira, pois a tentação é muita”, ou preferir fazer sessões de cinema em casa, com “pipocas de pacote”, podem ser dicas a reter.

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