Há fontes hidrotermais activas em Encelado, uma das luas de Saturno?

É possível que, debaixo da espessa crosta de gelo que cobre o pequeno satélite saturniano, existam condições semelhantes às que poderão ter dado origem à vida na Terra.

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Representação artística das interacções entre a água e a rocha no fundo do oceano interior de Encelado NASA/JPL

Um estudo da autoria de uma equipa internacional de cientistas conclui que a presença de microscópicos “grãozinhos” de rocha num dos anéis de Saturno sugere fortemente que existem fontes hidrotermais activas nas entranhas de Encelado, o sexto maior satélite natural daquele planeta gigante (que tem várias dezenas de luas). Os novos resultados são publicados na edição da revista Nature com data de quinta-feira.

A lógica pode parecer estranha, portanto passemos a explicar. Encelado é uma pequena bola com 500 quilómetros de diâmetro, com um núcleo rochoso coberto por uma espessa camada de gelo. E tem uma característica extraordinária: para além da Terra, é o único local onde se sabe que há água líquida.

O oceano por baixo do gelo de Encelado foi descoberto nos anos 2005-2006 pela sonda Cassini da agência espacial norte-americana NASA, que detectou, no pólo sul desta lua, gigantescos jactos de vapor de água, gelo e outras moléculas, entre as quais compostos orgânicos como dióxido de carbono, azoto ou metano, a serem cuspidos para o espaço, através de fissuras na superfície gelada.

Mais tarde, em 2014, medições também realizadas pela Cassini do campo de gravidade de Encelado vieram confirmar fortemente a ideia de que, debaixo dos 30 a 40 quilómetros da sua casca de gelo, existe um oceano com dez quilómetros de profundidade.

Os cientistas têm portanto olhado com grande interesse para esta lua que, ao que tudo indica, não só esconde um mar de água, mas também uma fonte de calor e compostos orgânicos – três componentes que, para além de permitirem explicar a existência daqueles géiseres, sugerem que no interior de Encelado já terão reinado condições semelhantes às que, aqui na Terra, caracterizam as fontes hidrotermais e os vulcões de lama submarinos. Ora, no nosso planeta, estes habitats permitem a existência de vida na ausência de luz solar – e até se pensa que a vida na Terra poderá ter ali começado. A pergunta impõe-se: terá havido vida em Encelado?

No novo estudo, cientistas da missão Cassini analisaram um tipo específico de partículas ejectadas pelos jactos de Encelado. E concluem que, no fundo do seu oceano existe, ainda hoje, uma actividade hidrotermal – ou seja, que ainda hoje, a água interna desta lua está a interagir, a alta temperatura, com os minerais do seu núcleo rochoso. A pergunta feita umas linhas acima transforma-se assim radicalmente: será Encelado, ainda hoje, propício à vida?

Sean Hsu, da Universidade do Colorado (EUA), e colegas analisaram de diversas maneiras os dados recolhidos nos últimos quatro anos pela Cassini, relativos à presença, no chamado “anel E” de Saturno, de minúsculos grãos de sílica (dióxido de silício), o principal componente da areia (no nosso planeta) e dos cristais de quartzo. Como o anel E é produzido pelos detritos vindos de Encelado, isso significa que estes grãozinhos minerais, que medem alguns nanómetros (milionésimos de milímetro) de diâmetro, vieram dessa lua.

Como explica em comunicado a Universidade do Colorado, na Terra, a forma mais frequente de produção de partículas de sílica destas dimensões é, justamente, a actividade hidrotermal em certas condições específicas – “nomeadamente, quando água ligeiramente alcalina e de modesta salinidade, supersaturada em sílica, sofre uma grande queda de temperatura”.

Ora, segundo os autores, parece ser isso mesmo que está a acontecer em Encelado: “Procurámos metodicamente explicações alternativas para a presença de grãos de nanossílica, mas todos os nossos resultados apontam para uma única origem mais provável”, diz o co-autor Frank Postberg, da Universidade de Heidelberg (Alemanha), citado no mesmo documento. Os autores fazem ainda notar que, dado que o núcleo da lua é poroso, isso permite efectivamente uma interacção entre o núcleo rochoso e a água do fundo do oceano da lua de Saturno a temperaturas superiores a 90 graus Celsius. Porém, como faz notar Gabriel Tobie, da Universidade de Nantes (França), num comentário que acompanha os novos resultados, só futuras missões poderão confirmar o “potencial astrobiológico” de Encelado.

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