Motivações religiosas por trás do homicídio de Nemtsov, diz líder tchetcheno

Suspeito que confessou ter assassinado político fez parte de batalhão da polícia tchetchena e foi elogiado por Razman Kadirov. Aliado de Nemtsov considera que nova versão “serve o Kremlin”.

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Dadaiev foi o único suspeito a confessar o homicídio Tatyana Makeyeva / Reuters

O homem que este domingo admitiu em tribunal ter participado no homicídio do político da oposição russa, Boris Nemtsov, tinha ligações ao líder tchetcheno apoiado pelo Kremlin, Razman Kadirov.

Zaur Dadaiev assinou uma confissão pela autoria do crime, de acordo com a juíza Natalia Mushnikova, que estendeu a sua detenção até 28 de Abril. Para além de Dadaiev, há mais outros quatro suspeitos pelo homicídio que permaneceram detidos, mas apenas outro foi formalmente acusado. Um sexto homem suicidou-se na Tchetchénia, fazendo rebentar uma bomba quando estava cercado pela polícia, de acordo com a imprensa russa.

Apesar do progresso das investigações, os contornos do homicídio de Nemtsov permanecem difusos e há teorias que apontam para praticamente todas as direcções. Depois de saber da detenção de Dadaiev, o presidente tchetcheno confirmou que o suspeito fez parte de um dos batalhões policiais ao seu serviço.

“Ele era subcomandante de um batalhão e um dos soldados mais destemidos e corajosos do regimento”, escreveu Kadirov na sua conta do Instagram, citado pelo jornal The Guardian.

Para o líder tchetcheno – um antigo comandante rebelde que passou para o lado de Moscovo e que assumiu a presidência em 2007 com o beneplácito de Vladimir Putin – a participação de Dadaiev no assassinato foi motivada pelas declarações de Nemtsov em defesa dos caricaturistas do Charlie Hebdo, que publicaram desenhos do profeta Maomé. “Todos aqueles que conhecem Zaur dizem que ele é uma pessoa extremamente religiosa e, tal como todos os muçulmanos, ficou muito chocado pelas acções do Charlie [Hebdo] e pelos comentários de apoio à publicação das caricaturas.”

Descrevendo Dadaiev como “um patriota russo genuíno”, Kadirov sustentou que o seu antigo companheiro de armas “não faria nada que fosse contra a Rússia, pela qual ele arriscou a sua própria vida durante muitos anos”. O líder tchetcheno também se referiu ao suspeito que acabou por se suicidar, Beslan Shavanov, como um “bravo guerreiro”.

Dois dias depois do atentado na redacção do jornal satírico em Paris em que foram mortas 12 pessoas, Nemtsov fez referência no seu blogue a uma “inquisição islâmica” e defendeu que todos aqueles que culparam os próprios caricaturistas estavam a “justificar os homicídios”.

Por essa altura, a capital tchetchena, Grozni, era palco de uma das maiores manifestações contra a publicação das caricaturas de Maomé, que reuniu centenas de milhares de pessoas. Na altura, Kadirov garantia que tudo iria fazer para que “ninguém insulte o nome do profeta sem receber punição”. O domínio de Kadirov sobre a Tchetchénia é condenado por várias organizações internacionais que lhe atribuem constantes violações dos direitos humanos sobre a oposição e sobre os grupos insurgentes. O apoio que goza em Moscovo é garantido precisamente pela mão pesada de Kadirov sobre os grupos separatistas do Cáucaso.

Os novos factos parecem dar força à linha de investigação que atribuía o homicídio de Nemtsov a extremistas islâmicos com motivações religiosas. Porém, o círculo próximo do político assassinado considera essa hipótese “sem sentido” e defende que a esta tese apenas serve o Kremlin.

“A teoria sem sentido dos investigadores acerca dos motivos islamitas no homicídio de Nemtsov serve o Kremlin e retira Putin da linha da frente”, afirmou Ilia Iashin, dirigente do partido RPR-Parnas, que era liderado por Nemtsov. Entre os sectores da oposição, os maiores receios são os de que, à semelhança de outros homicídios de políticos na Rússia, os orquestradores dos crimes não sejam descobertos.

“Os nossos piores medos estão a tornar-se realidade. O homem do gatilho vai ser culpado, enquanto aqueles que realmente ordenaram o homicídio de Nemtsov vão ficar em liberdade”, escreveu Iashin no Twitter. O político confirmou à BBC que está a trabalhar para recuperar as provas recolhidas por Nemtsov sobre a participação do Exército russo no conflito ucraniano – uma alegação sempre contestada por Moscovo.

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