Nós por cá todos mal

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1. Olhando à nossa volta, para o país e para a Europa, a necessidade de um entendimento estratégico entre as principais forças políticas portuguesas é tão evidente que tudo o resto parece resumir-se a quase nada. Mas é com esse “quase nada” que estamos a viver de uma forma cada vez mais dramática. Só nos últimos meses, assistimos à queda do Grupo Espírito Santo e à queda, por arrasto, da PT. Temos um ex-primeiro-ministro na cadeia em prisão preventiva cuja necessidade não se percebe. Vivemos um episódio triste com a Grécia, em resultado do desespero próprio de quem vê ameaçada a sua estratégia do aluno diligente e um tanto graxista. Assistimos à triste figura do PSD quando resolveu achar graça, tanta graça, e ainda mais graça, já a tocar a graçola, à frase de António Costa (desnecessária, é verdade) dita perante um grupo de chineses, como se não tivessem mais nada para dizer. Observamos a agitação de um PS nervoso porque quer o poder a todo o custo e o seu líder, eleito para esse fim, não começa o dia a fustigar o Governo e a prometer o que não pode. E, finalmente, um primeiro-ministro que nos disse para aceitarmos os sacrifícios e não sermos piegas, que chegou a dizer que ficar desempregado podia ser uma oportunidade e que agora reconhece que fugiu a alguns desses sacríficos por ter tido dificuldades na vida (quem as não tem). O problema não são as dificuldades, é a total falta de coerência entre o que diz e o que faz. Passos Coelho era “um homem com uma missão” regeneradora, cortando com a elite anterior que fez pouco, gastou muito e está bem instalada na vida.

Estamos na recta final para as eleições. Não vai ser fácil a Passos recuperar a sua imagem de pessoa proba e modesta que tirou o país do desastre. Mas a tarefa de António Costa não será mais fácil. O líder do PS não pode fazer o mesmo que o actual primeiro-ministro fez nas legislativas de 2011, quando prometeu que a receita da troika, com ele, ia ser um passeio. Costa sabe até que ponto a Europa condiciona o nosso destino, mas sabe também que a sua missão é mostrar que as coisas podem ser diferentes para incentivar a economia e melhorar a vida das pessoas. Encontrar um equilíbrio é a sua tarefa “impossível”.

2. A social-democracia europeia anda à procura de um novo programa político praticamente desde a revolução neoliberal de Thatcher e Reagan (acompanhada em Pequim por Deng Xiaoping). Encontrou a “terceira via”, com a melhor resposta para conciliar a liberdade dos mercados com a justiça social. O objectivo era “dar poder às pessoas” através da educação e aos países através da investigação científica e tecnológica. Com a entrada do antigo mundo comunista nos mercados e com a revolução tecnológica, a globalização passou a ser a realidade económica, acrescentando um desafio ainda maior: como manter a competitividade europeia sem abdicar do modelo social europeu. Com os rendimentos da classe média cada vez mais “espremidos” praticamente desde finais dos anos 80, foi ainda possível manter a ilusão de bem-estar graças ao crédito barato (quando nos dizem que a culpa da crise é nossa porque quisemos todos ir para as Caraíbas, não acreditem). A crise acabou com ele. A crescente desigualdade entre os que beneficiaram da globalização ("os passageiros frequentes", como lhes chama o sociólogo alemão Wolfgang Merkel) e os que viram os seus rendimentos e empregos ameaçados acentuou-se, sem que os partidos de centro-esquerda conseguissem encontrar uma nova resposta. Ainda estamos aí. O sucesso dos partidos nacionalistas e populistas em muitos países ricos deve-se, em boa medida, ao insucesso dos partidos sociais-democratas. O sucesso do Syriza e do Podemos é em boa parte o resultado dessa falta de capacidade do centro-esquerda para gerar uma alternativa à austeridade. As dificuldades não são apenas nossas. Ed Miliband “esqueceu-se” de falar da política económica no seu último discurso no congresso do Labour antes das eleições de Maio. Desculpou-se com o facto de ter falado de improviso. Manuel Valls (um blairiano) combate como pode as velhas relíquias do Partido Socialista e ataca sem dó nem piedade a Frente Nacional. Em Madrid, há quem fale de uma coligação entre o PP e o PSOE (coisa nunca vista num sistema radicalmente bipolar) para evitar o Podemos. Sigmar Gabriel, o líder do SPD e vice-primeiro-ministro de Merkel, confessa aos seus parceiros europeus que, em matéria de política europeia, não tem qualquer margem de manobra, porque os alemães apoiam totalmente a forma como a chanceler está a gerir a crise. A própria Europa mudou de natureza, sem que o discurso social-democrata reflicta essa mudança. O caminho torna-se ainda mais difícil quando a divisão entre Norte e Sul não fica à porta do Partido Socialista Europeu, dificultando uma estratégia alternativa. Regressando a Portugal, António Costa tem de levar em conta esta realidade difícil para não prometer o que não pode cumprir.

3. Entretanto, em Bruxelas, a eurocracia tornou-se uma máquina a rodar em seco, sem qualquer noção da realidade, que acredita ser uma “vanguarda iluminada” distante dos pobres coitados que não têm capacidade para se governar a si próprios. Funciona sem qualquer controlo político, debitando avaliações e descomposturas, numa vã tentativa de manter os privilégios. Em Berlim ninguém lhe liga.

Em Frankfurt, Mario Draghi, que foi decisivo para salvar o euro da sua maior crise de sempre, continua a desafiar a ortodoxia alemã. Está a fazer, mais ou menos, a mesma coisa que fizeram a Fed ou o Banco de Inglaterra no início da crise financeira e da Grande Recessão que se lhe seguiu. A única condição é que os governos cumpram os seus compromissos. A Grécia vai ter de cumprir. A França decide protelar a meta do défice para 2018 e François Hollande diz que a economia está a dar a volta e que é preciso cuidado para não travar o crescimento. Por mais que a eurocracia grite (e que coloque a França e a Itália sob vigilância, como nos colocou a nós), em Paris já poucos a ouvem. Há duas coisas particularmente perniciosas em Bruxelas. A primeira é a ignorância sobre a realidade de cada país. A segunda é a ignorância do mundo actual. Misturadas podem ser letais. O problema é que se mantém arreigada em algumas forças partidárias, sobretudo no centro-esquerda, a ideia de que ainda podemos voltar aos bons velhos tempos em que a Comissão interpretava o interesse geral e em que os europeus aceitavam mais integração. Ou que o mundo, tal como ele é hoje, ainda pode vir a encontrar no modelo europeu a sua fonte de inspiração. São ilusões que ajudam pouco. Mas, se pensarmos bem, o que a social-democracia defende, com o investimento nos avanços científicos e nas capacidades das pessoas, faz todo o sentido. A questão é como. Não é impossível. A BMW, depois de andar à procura de um local para instalar uma nova fábrica nos países de mão-de-obra mais barata, acabou por instalá-la no Alabama. Porquê? A produtividade dos trabalhadores compensava qualquer salário baixo e a proximidade do mercado era ideal. A economia americana já deu a volta. O desemprego caiu esta semana para 5,5%, abrindo as portas à Fed (que tem de o levar em consideração) para começar a pensar no aumento das taxas de juro, com o impacte mundial que a decisão vai ter. Tudo isto, enquanto Xi Jimping concentra como nunca o poder nas suas mãos para gerir uma aterragem suave da economia chinesa (como ele próprio diz, uma mudança de modelo de crescimento) e Dilma dá voltas à cabeça para fugir à recessão. Quem diria? Há sempre uma esperança.

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