Supremo confirma autorização para instalar cadeira elevatória contra vontade do condomínio

Juízes consideram que, ao recusarem a instalação da cadeira que facilita a locomoção de um morador idoso, os condóminos estão a praticar uma "discriminação indirecta".

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Cadeira fica estacionada no terceiro andar, à porta do idoso, e não impede a utilização das escadas, segundo os juízes Nuno Ferreira Santos

Em 2011, um juiz do 10.º Juízo Cível de Lisboa fez história ao decidir a favor da instalação de uma cadeira elevatória num prédio, em Lisboa, contra a vontade dos proprietários e dos condóminos. O aparelho permitia a um homem de 80 anos com dificuldades de locomoção entrar e sair de casa de forma autónoma. Quatro anos e alguns recursos depois, o Supremo Tribunal de Justiça (STJ) confirmou a primeira decisão.

Os proprietários do prédio de três andares sem elevador rejeitaram desde a primeira hora a instalação da cadeira. Esta tinha sido proposta pelos familiares do idoso, António Mota, arrendatário de um apartamento no terceiro andar. Em 2010, o homem sofreu um segundo acidente vascular cerebral que lhe limitou os movimentos, obrigando-o à realização de fisioterapia diária. "É fisicamente impossível para ele subir e descer escadas e não podemos chamar os bombeiros de cada vez que quer sair de casa", disse ao PÚBLICO, na altura, uma filha do idoso. O aparelho seria pago pelo próprio inquilino, um cardiologista reformado.

Porém, os condóminos e os proprietários de mais de metade das fracções alegavam que o equipamento iria pôr em causa a segurança do prédio e perturbar a utilização das escadas que, segundo eles, “nem sequer têm um metro de largura”. Diziam ainda ter pareceres dos bombeiros, da Polícia Municipal, da Protecção Civil e até da câmara, contrários à instalação da cadeira.

Os filhos de António Mota não desistiram. Apresentaram uma providência cautelar que lhes foi favorável, uma decisão rara em Portugal, e instalaram a cadeira, assumindo todos os custos. A instalação ocorreu na presença da PSP, por ordem judicial. No entanto, esta solução acabou por ser recusada na sentença de 1ª instância, que foi favorável aos condóminos, defendendo que o direito de propriedade prevalecia sobre todos os outros.  

A família Mota recorreu depois para o Tribunal da Relação, que lhe deu razão. Seguiu-se novo recurso, desta vez para o STJ, apresentado pelos proprietários e condóminos. Mas o acórdão do Supremo, datado de 26 de Fevereiro deste ano, confirma o anterior.

O juiz do STJ não tem dúvidas quanto à “razoabilidade” do pedido de António Mota. “O regime da propriedade horizontal não deve impedir que possa ser autorizado a instalar, à sua custa (…) estruturas que facilitem a sua mobilidade”, lê-se no documento ao qual o PÚBLICO teve acesso. Os juízes entendem que a estrutura tem uma “fraca interferência negativa” na utilização das escadas e salientam o facto de a cadeira poder servir outros moradores ou ser retirada logo que se torne desnecessária.

A cadeira, que sobe em curva do rés-do-chão ao 3.º andar, fica estacionada a 90 graus em relação à escada "não impedindo a passagem de macas, de carrinhos de bebé, nem mesmo de uma cadeira de rodas de adulto", escreveu o primeiro juiz que analisou o caso.

“Ainda que o neguem, ao contrariarem o que razoavelmente foi requerido pelos AA.[António Mota e a mulher], os recorrentes [condóminos e proprietários] concorrem seriamente para a consumação de uma situação de discriminação indirecta, colocando em posição desfavorável pessoas que carecem de um auxílio suplementar para alcançarem alguma qualidade de vida”, defende o STJ.

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