The Act-Ups, uma saudável loucura contra a loucura do mundo

A banda barreirense apresenta esta sábado na Galeria Zé dos Bois, em Lisboa, o seu novo álbum, Homo Zugadita Quasar Monacant

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Quem já os viu ao vivo sabe o que esperar Vera Marmelo

O problema que os The Act-Ups viveram nestes últimos anos, os contados entre a edição de Play The Old Psychedelic Sounds Of Today, em 2008, e o Homo Zugadita Quasar Monacant que apresentarão este sábado na Galeria Zé dos Bois (22h, 6€), com primeira parte a cargo de Tracy Lee Summer, será familiar à vasta maioria das bandas rock’n’roll que alguma vez pisaram o planeta.

O processo de gravação foi rápido como sempre. Dois dias, não mais que isso, para que se capture a urgência do momento. O problema foi o antes, a fase em que o conjunto de músicos tem que se reunir na sala de ensaios para criar, imaginar, aprimorar e dar por terminada a música de que se fará o conjunto de canções a que chamamos álbum. “No meu estúdio, para entrar na sala de ensaio temos que passar primeiro pela cozinha”, explica Nick Nicotine, nome de guerra do vocalista e guitarrista da banda barreirense. E os The Act-Ups, bando de gente adulta que se mostra animada por uma benfazeja loucura rock’n’roll há mais de uma década, não conseguiam dar o passo decisivo e saltar da boa conversa e da boa comida para o alvoroço “decibélico” na sala ao lado. É obviamente uma anedota, fundada no real como todas as anedotas (foi mesmo difícil vencer a atracção da cozinha, garante Nicotine), mas ilustra bem a natureza desta banda.

Quem já os viu ao vivo sabe o que esperar. Rock’n’roll embuído do conhecimento profundo da sua história, fuzz garageiro pronto a disparar, soul ali tão perto, quer na voz grave de Nicotine, quer numa versão que possa surgir no alinhamento, como surgia o Land of the 1000 dances há dez anos. Já os vimos a tocar madrugada dentro no Barreiro Rocks, o festival que nasceu por iniciativa da Hey Pachuco, associação cultural fundada por membros dos The Act-Ups. Já os vimos disfarçados de criaturas mitológicas bizarras (Darth Vaders ciclistas, Alesteir Crowleys cómicos, deuses romanos nada católicos) quando se apresentaram nas fotos de promoção de Play The Old Psychedelic Sounds of Today. “Há a necessidade que isto continue porque somos amigos muito chegados e porque saem coisas diferentes quando nos juntamos”, diz Nick Nicotine. “Da mesma forma que temos este humor meio pateta, completamente nosso, também as canções que aparecem são só nossas. Aparecem ali na sala de ensaios. Depois da cozinha”.

Esta história de uma banda que subsiste pela partilha de uma história e de um humor em comum seria simplesmente uma curiosidade não se desse o facto de os The Act-Ups serem realmente especiais. Temos Homo Zugadita Quasar Monacant como prova. Nele, encontramos a canção que é r&b infernizado e que desembocará em jam motorika para nosso prazer eléctrico (Euphonia), o psicadelismo transformado em matéria pop deliciosamente colorida (e de título igualmente delicioso, Hey Don, we dig your bandana), a balada rock’n’roll arrancada aos confins de uns Estados Unidos sonhados à distância de um oceano (Leaves are over trees) ou o garage enquanto exercício nonsense cuidadosamente regado a fuzz (Lie lion liar (se trouve dans la mer)). Tudo reunido, um documento em forma de álbum do espírito e do talento dos The Act-Ups.

“Desta vez houve um cuidado com a intenção por trás de cada um dos temas. Nos outros álbuns, levávamos tudo muito cru. Agora, houve o cuidado de conseguir que a música correspondesse ao que tínhamos imaginado”. São as vantagens do amadurecimento, digamos. Eis uma mudança na banda formada por Nick Nicotine, que nos últimos tempos encontrámos muito atarefado com a sua celebrada Nicotine’s Orchestra, autora de Gipsycália, Johnny Intense, Pistol Pete, N. Very e Tony Fetiche.

Quanto ao resto, felizmente, os The Act-Ups continuam os The Act-Ups. Gente irrequieta com muitas ideias na cabeça e vontade de as concretizar. Por exemplo, através da Hey Pachuco, arranjaram forma de passar a ética “do it yourself” a quem vem depois, os miúdos do secundário que ganharam a possibilidade de utilizar gratuitamente para ensaios o Estúdio King de Nicotine. “Gosto de incentivar estas gerações mais novas a terem essa postura. Depois, logo se vê”. Completa-se assim o ciclo: “Gravei há pouco tempo uma banda que se chama Postcards From Wonderland, que é o título de um disco dos Gasoleene, uma banda do Barreiro dos anos 1990. E é a banda do filho do Pinho” - que era o vocalista dos Gasoleene.

Neste contexto, poderíamos pensar nos The Act-Ups, nascidos em 2001, como banda veterana vista como instituição da terra. Nada disso. Primeiro porque, como diz Nicotine, “no Barreiro nunca houve essa coisa das instituições, olhamo-nos todos olhos nos olhos e em pé de igualdade”. Depois porque a ideia de veterania não casa bem com esta banda formada por tipos que se recusam a deixar de acreditar nas qualidades terapêuticas do rock’n’roll, essa saudável loucura contra a loucura do mundo.

Depois de gravarem Homo Zugadita Quasar Monacant, os The Act-Ups decidiram que seria tão divertido quanto interessante dar-lhe suporte visual adequado. Há quatro meses começaram a revelar no site www.act-ups.com vídeos para cada uma das canções do álbum. Já lá estão quatro, ora com imagens da banda em palco, ora em situações de bondage másculo pouco peculiar. Novos vídeos serão revelados à cadência de um por mês até que todo o álbum tenha sido contemplado. Já pensam no futuro: “Temos dito na brincadeira que o próximo álbum será o inverso. Vamos fazer um filme e depois vamos gravando a banda-sonora”. Conhecendo-os, o mais provável é que não seja brincadeira. Aguardemos.

Entretanto, enquanto não chega o filme que será o disco, há muito para aproveitar. Um óptimo disco. Um concerto. Os The Act-Ups a serem The Act-Ups. Que não mudem nunca.

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