Dentro de um tubo em Sacavém vai simular-se a chegada a outros mundos

Laboratório de Plasmas Hipersónicos, onde está Tubo de Choque, vai ser inaugurado esta quarta-feira ao fim do dia. Servirá para preparar futuras missões da Agência Espacial Europeia e as primeiras experiências começam no Verão.

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AFP PHOTO / ESA-CNES-ARIANESPACE / JM GUILLON
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Momento da construção do tubo DR
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Desenho do Tubo de Choque DR

Um pequeno meteoro em colisão contra a Terra não sobrevive à resistência da atmosfera. O atrito desintegra-o. Tudo o que fica no céu é um risco de luz momentâneo. Uma nave que faça a mesma viagem a altas velocidades pode ter um destino igual ao de uma estrela cadente. A Agência Espacial Europeia (ESA) debate-se com este problema: não tem, para já, a tecnologia para missões de naves a outros planetas e luas ou que tragam para a Terra amostras de asteróides ou mesmo astronautas. Mas, nesta quarta-feira, vai ser inaugurado um laboratório português pedido pela ESA para ajudar a obter esta tecnologia.

A nova instalação, em Sacavém, concelho de Loures, é agora a maior do país na área da investigação espacial. Este Laboratório de Plasmas Hipersónicos pertence ao Instituto de Plasmas e Fusão Nuclear do Instituto Superior Técnico (IST), em Lisboa, e fica no Campus Tecnológico e Nuclear do IST.

Aí, vai simular experimentalmente as condições de entrada de objectos em planetas, luas ou na Terra. “Uma nave espacial atinge a velocidade de dez quilómetros por segundo quando entra na atmosfera de um planeta”, diz ao PÚBLICO Mário Lino da Silva, que usou a imagem da estrela cadente para explicar os riscos dessa operação. O físico e engenheiro aeroespacial, do Instituto de Plasmas e Fusão Nuclear e professor no IST, é o responsável pelo novo laboratório.

Em Sacavém, está agora a ser instalado o Tubo de Choque Europeu para a Investigação de Alta Entalpia (ESTHER, sigla em inglês). Neste tubo vai dar-se a colisão entre uma onda de choque e uma mistura gasosa que imita a atmosfera de um planeta. Os investigadores do IST podem simular ali a atmosfera da Terra, de Marte ou Titã, lua de Saturno, tendo em conta a sua composição e a densidade atmosférica. Tudo depende das missões da ESA.

Ao todo, o projecto custou dois milhões de euros: 250.000 euros do IST destinados à construção de raiz do edifício e o resto, pago pela ESA, foi para o Tubo de Choque. O projecto foi iniciado em 2010, depois de o consórcio liderado pelo IST ter ganho o concurso lançado pela ESA para a construção do laboratório. No consórcio “académico-industrial”, como lhe chama Mário Lino da Silva, participam parceiros internacionais como a Universidade de Provença, em Marselha (França), ou a Fluid Gravity Engineering, uma empresa especializada em física computacional do Reino Unido, assim como empresas portuguesas como a ISQ ou a Setofresa e Associados, estando a última a fabricar o Tubo de Choque.

No laboratório vão ser observados fenómenos rapidíssimos, que duram cerca de 30 milionésimos de segundo. Mas que terão três horas de preparação. O tubo, de 20 metros de comprimento e 40 toneladas, é constituído por duas partes importantes. Por um lado, tem uma câmara de alta pressão, onde ocorrerá a combustão de hidrogénio, oxigénio e hélio, permitindo a estes gases atingir pressões de 600 atmosferas terrestres e 2500 graus Celsius. Por outro lado, é no tubo que se vão injectar os gases que imitam a composição da atmosfera de um planeta (a da Terra teria 78% de azoto, 21% de oxigénio e 1% de dióxido de carbono e de outros gases) e a sua pressão. A separar a câmara de compressão e o tubo há uma membrana fina.

Depois, esta membrana será rompida e a mistura de gases na câmara de alta pressão entra no tubo a velocidades que podem atingir os 12 quilómetros por segundo (ou 43.200 quilómetros por hora, o que é cerca de 35 vezes a velocidade do som). É aqui que se vai dar a onda de choque: ao entrarem no tubo, os gases vão sendo travados pelo atrito criado pela “atmosfera” ali recriada, tal como acontece quando um meteoro ou uma nave atravessam a nossa atmosfera.

No tubo, a energia da onda que se perde na velocidade é transformada em calor. A temperatura sobe até milhares de graus junto da onda de choque e produz plasma, o quarto estado da matéria, em que os electrões que normalmente andam à volta dos átomos (que compõem a atmosfera) libertam-se e passam a andar livremente. Parte da energia do plasma é libertada em forma de radiação: desde radiação ultravioleta, passando pela luz visível aos olhos humanos, até aos infravermelhos.

Esta luz, que é equivalente ao risco deixado no céu pelos meteoros, é analisada em seguida por uma série de aparelhos no final do tubo. A análise permite ter um perfil deste plasma, o que constituirá uma informação preciosa para a ESA, já que pode ajudar a definir o material do casco de uma nave para entrar numa atmosfera.

“As naves usam materiais ablativos, que ardem devagarinho durante a reentrada”, explica Mário Lino da Silva, dando como exemplo os já reformados vaivéns da NASA. No entanto, a ESA testou um novo aparelho em Fevereiro, o Veículo Intermediário Experimental, que em 100 minutos foi levado por um foguetão até aos 340 quilómetros de altitude e depois reentrou na Terra e pousou no Pacífico. A parte de baixo do seu casco era composta por um escudo térmico inovador, à base de um compósito de cerâmica que não arde.

Esta missão correu na perfeição, mas Mário Lino da Silva explica que existe uma diferença grande entre missões espaciais perto da Terra, como eram as dos vaivéns da NASA – que reentravam a cerca de seis quilómetros por segundo na atmosfera terrestre –, e uma missão que traga amostras geológicas de um asteróide fora da órbita da Terra.

“Se a nave vier de outro planeta e entrar directamente na Terra, pelas leis da física essa entrada ocorre a dez ou 12 quilómetros por segundo”, diz o investigador. O Veículo Intermediário Experimental atingiu só sete quilómetros por segundo. Apenas os Estados Unidos fizeram reentradas a velocidades superiores a sete quilómetros por segundo, quando trouxeram astronautas da Lua, nas várias missões Apolo, nas décadas de 1960 e 1970.

“A Europa ainda não tem essa capacidade. Com o Tubo de Choque, é isso que vai ter”, prevê o cientista. No Laboratório de Plasmas Hipersónicos, o novo tubo permitirá jogar com a velocidade tanto da onda de propagação como da composição da atmosfera e a sua pressão. “É tudo o que precisamos para simular qualquer entrada na atmosfera.”

O tempo de vida do laboratório será de 20 a 30 anos. E vai responder a qualquer pedido da ESA. Para já, estão encomendados testes de “cenários da reentrada terrestre de missões que vão buscar amostras de solo a Marte, cometas e asteróides”, dsse Mário Lino da Silva.

Mas as experiências só se vão iniciar no Verão. Por agora, apenas está instalada a câmara de alta pressão. Os testes à câmara começam ainda este mês. Depois, o tubo de ferro será instalado. Devido aos perigos inerentes ao uso de gases muito explosivos, como o hidrogénio, a sala do tubo vai ficar separada da de controlo. Tudo num edifício que parece um bunker, desenhado e construído para minimizar acidentes.

Na inauguração desta quarta-feira, estarão responsáveis da ESA, além de Nuno Crato, ministro da Educação e Ciência, e Leonor Parreira, secretária de Estado da Ciência. Além do apoio à ESA, Mário Lino da Silva diz que o laboratório também servirá para “aumentar o conhecimento físico dos plasmas”. Pode ser ainda importante para compreender as consequências, não das inofensivas estrelas cadentes, mas de corpos maiores que possam atingir a Terra, como o asteróide de 19 metros de diâmetro que caiu em Cheliabinsk, na Rússia, em Fevereiro de 2013.

Não matou ninguém, mas a onda de impacto deste asteróide partiu vidros e a luz cegou momentaneamente e queimou (pelos raios ultravioletas produzidos) várias pessoas. “Esta instalação está preparada [para estudar] impactos de meteoros”, frisa o investigador. “Para estudar os danos que podemos esperar devido à sua radiação e onda de choque.”

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