Constitucionalista moçambicano assassinado em Maputo

Gilles Cistac não resistiu aos ferimentos provocados por vários tiros. “Qualquer um pode ser abatido pelas suas opiniões”, disse o presidente do Conselho dos Direitos Humanos.

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Pessoas reunidas junto ao hospital, para onde Cistac foi levado ADRIEN BARBIER/AFP
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Ideia de criar “províncias autónomas” surgiu após as eleições do ano passado Nélson Garrido/Arquivo

Um dos mais reputados constitucionalistas moçambicanos foi morto nesta terça-feira no centro de Maputo. Gilles Cistac, professor catedrático de Direito Constitucional na Universidade Eduardo Mondlane, não resistiu aos ferimentos provocados por disparos de que foi alvo e morreu já no hospital, onde ainda foi submetido a uma intervenção cirúrgica.

O especialista de Direito Constitucional, de origem francesa, que se distinguiu no debate em curso no país sobre a criação de regiões ou províncias autónomas, foi atingido nas costas, depois de ter saído de um café, no bairro da Polana, por volta das 8h45 (menos duas horas em Portugal continental). Foi alvejado no tórax e no abdómen por quatro ou cinco disparos, as versões não coincidem, de uma espingarda automática Kalashnikov.

A intervenção cirúrgica prolongou-se por cerca de quatro horas. A notícia da morte de Cistac, 53 anos, foi avançada pelo jornal Canal de Moçambique e confirmada pelo director-geral do Hospital Central de Maputo, João Fumane.


“É uma afronta ao Estado de direito e à liberdade de expressão. Gilles Cistac é uma pessoa conhecida, com opiniões bem vincadas. Isto mostra a insegurança total em que vivemos: qualquer um pode ser abatido pelas suas opiniões”, disse o presidente do Comissão Nacional dos Direitos Humanos, Custódio Duma, à AFP, antes ainda de ter sido confirmada a morte.

Um representante do Presidente da República, António Gaspar, condenou o ataque, que qualificou de “macabro”.

O constitucionalista tinha, segundo o Canal de Moçambique, recebido ameaças devido às suas posições públicas. Na semana passada foram publicadas no Facebook ameaças “de teor racista” a Cistac e a outros influentes moçambicanos brancos, segundo o mesmo jornal.

Os outros alvos de ameaças foram o director deste jornal, Fernando Veloso; o administrador do semanário Savana, Fernando Lima; e o universitário Carlos Nuno Castel-Branco. Em declarações ao Savana, Gilles Cistac queixou-se de “intolerância política” e de racismo e anunciou a intenção de responder judicialmente.

“Não lhe conheço qualquer ligação à droga ou a meios criminosos, só pode ser política”, disse, citado pela AFP, Fernando Lima, comentando o sucedido.

A Renamo (Resistência Nacional Moçambicana, principal partido da oposição) contesta as eleições de Outubro de 2014 e reclamou a criação de “regiões autónomas” no centro e Norte, preconizando mesmo uma “república autónoma”. Mas tem vindo a dar sinais de que aceitaria governar “províncias autónomas” onde ganhou a consulta eleitoral .

Numa entrevista ao jornal A Verdade, no final de Janeiro, o académico, que vivia em Moçambique desde 1993, disse que havia cobertura constitucional para a gestão autónoma de províncias. Para Cistac, que foi também assessor de ministros, a solução constitucionalmente mais correcta seria criar em Moçambique “províncias autónomas”. A proposta da Renamo foi por ele considerada “interessante” e encarada como uma “oportunidade para a implantação qualitativa da democracia local” em Moçambique.

“O professor Gilles Cistac foi atacado porque defendeu a posição da Renamo. É um ataque contra a Renamo”, disse o deputado e porta-voz do partido, António Muchanga. O dirigente oposicionista negou, porém, que o académico estivesse a assessorar o partido na elaboração do projecto de lei de criação de províncias autónomas que será apresentado no Parlamento.

A ideia de a Renamo levar ao Parlamento uma proposta para a criação de regiões – ou províncias – autónomas saiu de um encontro entre o novo Presidente da República, Filipe Nyusi, cuja legitimidade a Renamo contesta, e o líder oposicionista, Afonso Dhlakama. Foi vista como uma saída para ultrapassar a contestação do antigo movimento guerrilheiro. A aprovação exigiria os votos favoráveis da Frelimo, que tem a maioria dos deputados.

Moçambique viveu uma  sangrenta guerra civil entre 1976 e 1992. Os confrontos voltaram em 2013 e só foram suspensos após um acordo entre os dois principais partidos, antes das eleições.

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