Posse e plantação de marijuana legalizadas na Jamaica, mas pouco

Prática enraizada na cultura jamaicana (e característica por que é conhecida mundialmente), fumar marijuana só agora passa a ser permitido no país caribenho.

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Só poderão ser cultivadas cinco plantas de cannabis por imóvel Justin Sullivan/Getty Images/AFP

Era proibido? Era. Mas podia fazer-se? Podia. Só que era proibido. Esta rábula dos Gato Fedorento, a propósito do último referendo português sobre o aborto, podia aplicar-se sem grandes liberdades poéticas ao mercado de marijuana na Jamaica. O país caribenho, cujo nome é relacionado por todo o mundo com esta droga, não admitia legalmente o seu uso.

Embora perfeitamente enraizado na cultura local, em particular na icónica (mas reduzida) comunidade rastafári, o recurso à marijuana para efeitos recreativos, medicinais e religiosos só nesta terça-feira foi descriminalizado pelos legisladores jamaicanos. Cultivar até cinco plantas de “erva” por imóvel passa a ser permitido e a posse de pequenas quantidades de droga por pessoa (56,6 gramas) deixa de ser crime — passa a infracção administrativa sem registo em cadastro.

Os turistas detentores de receitas de marijuana para fins terapêuticos também a poderão adquirir na ilha, mediante requisição. Mas o transporte de droga para fora do país continua impedido, tal como definido nos tratados internacionais. Os EUA fizeram, aliás, questão de o lembrar antes da votação que se seguiu a várias horas de debate parlamentar.

Os norte-americanos — eles próprios em processo de liberalização desta droga; o Alasca tornou-se o terceiro estado a fazê-lo, também nesta terça-feira — eram os responsáveis indirectos pela proibição jamaicana. As autoridades caribenhas temiam sanções financeiras do país vizinho, o que inviabilizou as tentativas anteriores para legislar favoravelmente a prática.

A recente abertura dos EUA, assim como o vanguardismo do Uruguai nesta área, fizeram com que os jamaicanos se quisessem posicionar como uma possível referência no florescente mercado de marijuana. Os benéficos resultados económicos que se têm verificado nos EUA seriam bem-vindos para um país como a Jamaica, sob assistência financeira do FMI até 2017.

O ministro local do Comércio, Anthony Hylton, fala numa indústria com “grande potencial”. A expectativa é que, a longo prazo, o mercado interno se desenvolva, sobretudo graças às propriedades medicinais da cannabis, e o turismo de saúde seja potenciado na ilha.

Do ponto de vista cultural, a deliberação é igualmente relevante: os seguidores do movimento rastafári, religião criada na ilha nos anos 1930 que está na base da música reggae, poderão pela primeira vez fumar “ganja” de forma legal. Para os membros deste movimento espiritual, o uso de marijuana é uma prática sacramental — algo que pelo menos um tribunal italiano já reconheceu. O número de “rastas” na Jamaica diverge consoante a fonte entre 1%, 5% e 10% da população.

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