A grande aposta não é recuperar edifícios isolados, mas criar redes de visitação

Entrevista com o Director Regional de Cultura do Norte, António Ponte.

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António Ponte Paulo Pimenta

O Director-Regional de Cultura do Norte, António Ponte, faz um balanço muito positivo do primeiro ano à frente do organismo, um ano em que o número de visitantes dos museus e monumentos aumentou 50%.

Não será tudo graças aos turistas – tem havido um esforço para programar actividades regulares no património edificado. Essa política é para continuar e os modelos de candidatura aos financiamentos comunitários também. A novidade é que, depois do património edificado, a tutela vai voltar-se para o património imaterial. O processo de registo está em fase de arranque.

Em 2014 o número de visitantes dos museus e monumentos da Região Norte cresceu 50%. A que se deve este súbito interesse?
Há várias condicionantes que podem ter influenciado este resultado operacional dos museus e dos monumentos. Uma delas é o trabalho que tem vindo a ser desenvolvido pelos responsáveis de cada um dos espaços – estamos a falar de sete museus e de monumentos espalhados por toda a região e com várias tutelas – e que passa por uma política de promoção de actividades culturais que acrescentam interesse à visitação. A outra é o esforço de divulgação que tem sido feito, não só das actividades mas da própria intervenção nos monumentos, o que também tem suscitado curiosidade. Acredito que, quando alertadas para o facto de estarem a acontecer coisas, as pessoas tem a tendência de ir ver.

Onde é que estão a acontecer essas coisas?
Está a haver um investimento muito relevante em todas tipologias em que temos responsabilidade: mosteiros e igrejas, catedrais, castelos, património arqueológico. E temos tido mais cuidado em promover as intervenções e, ao fazê-lo, estamos a suscitar a curiosidade das pessoas. 

Correndo o risco de ser uma curiosidade temporária. A casa das Artes, por exemplo, devolvida ao público há um ano, tem ficado aquém das expectativas, com uma ocupação “volátil”.
A Casa das Artes e Casa de Allen só foram integradas na Direcção-Geral da Cultura em 2012, e só ficou sem obras no final de 2013. O ano de 2014 foi um ano de apropriação dos equipamentos. Estabilizou-se uma programação de cinema, com o apoio do Cineclube do Porto, mas estamos a tentar um conjunto de parcerias com instituições da região, não só culturais mas também de ensino para criarmos uma programação mais regular. Espero que a Casa das Artes possa ser palco para jovens criadores, a diferentes níveis e nas diferentes disciplinas artísticas. Temos estabelecido contactos com escolas de formação, a ESMAE é uma delas, no sentido de podermos disponibilizar um espaço para que os jovens que saem da formação tenham um sitio onde se apresentar. E com o serviço educativo que já foi lançado queremos despertar interesse nos mais jovens para as diferentes disciplinas artísticas. O objectivo é que seja um serviço com amplitude nas diferentes áreas culturais.

A apresentação da programação está prevista para breve.  O que pode adiantar?
A programação cultural da DRCN não se centra na Casa das Artes, nem no Porto. Estamos a tentar que ela se espalhe pelo território, se descentralize, animando não só espaços nossos dispersos pelo território, mas também espaços de outras entidades, nomeadamente de autarquias. A perspectiva é criar uma programação que dê regularidade aos espaços. 

Estamos a falar de que espaços? De igrejas e catedrais? 
Exactamente. Tivemos na Rota das Catedrais um ciclo de concertos – Do Advento ao Natal –  com todas as [sete] catedrais completamente lotadas. E conseguimos com isto promover grupos de grande qualidade que existem no contexto regional. Em Março vai ser retomado o ciclo de concertos Espaços da Polifonia, com o qual, na mesma lógica, queremos promover o património arquitectónico mas também o musical. O esforço que se se faz na salvaguarda do património é muito relevante, mas é muito importante animá-lo, criar mecanismos que aumentem o interesse na visitação e frequência nesses espaços. Todos os investimentos que temos em curso e vamos lançar têm esse objectivo: o de garantir a salvaguarda da memória, preservando os espaços edificados, mas também dar às pessoas a possibilidade de usufruírem de espaços qualificados com uma actividade cultural. Estamos também a tentar interpretar os espaços, a procurar os seus contextos e história para a comunicar ao publico. A par das reabilitações em curso, andamos a produzir prospectos e a criar exposições, que façam a capacitação do conhecimento dos visitantes através dos monumentos que visita. 

De que se trata a exposição que vai inaugurar amanhã na estação de Metro dos Aliados?
É uma exposição com cinco percursos temáticos e que abrangem zonas geográficas muito distintas e convidam à descoberta da riqueza do património que existe no Norte. São vários temas, desde o percurso dos mosteiros até ao percurso de arte contemporânea, e não envolvem apenas edifícios mas também a natureza, como a geira romana.

A Rota das Catedrais foi umas das linhas de intervenção de maior visibilidade, e que implicou investimentos elevados (4,5 milhões de euros) e prazos curtos (termina em Junho). Vão ser cumpridos?
Está tudo a correr dentro dos prazos. Os investimentos destinam-se não apenas à intervenção no espaço fisco, e à preservação desses locais de culto, mas também dar-lhe uma componente cultural associada, que aumente a atracção. E esse é um trabalho que não acaba. Depois do ciclo de concertos do Advento ao Natal, teremos o ciclo Teatro na Catedral, que deverá arrancar na Primavera, no mesmo espírito, procurando apresentar grupos da região. Mas chegados a Junho, é nossa intenção apresentar uma nova candidatura para uma fase II da Rota das Catedrais, no valor de mais quatro milhões de euros. Ainda há muito por fazer. Esta primeira fase foi mais estrutural, depois temos de passar para uma fase de intervenção mais fina, mais específica.

O modelo de financiamento vai ser replicado?
O modelo funciona tanto do ponto de vista operacional como financeiro. Há autarquias a participar na montagem financeira e a própria Igreja também. Há situações em que é a Igreja quem assegura a contrapartida nacional.

Arrancou recentemente um intervenção na Igreja de Santa Clara, no Porto, graças a mecenato. Há mais intervenções previstas?
No Porto temos em intervenção a Igreja de Santa Clara e o Palácio de São João Novo. A grande aposta não é recuperar edifícios isolados, mas criar redes de visitação. Esta direcção regional foi apresentando candidaturas para linhas de monumentos que se conjugam em articulação. Por exemplo, um linha que apanha todo o Vale da Varosa (a partir de Lamego e Tarouca, abrangendo os mosteiros de Salzedas e de Ferreirim). Temos outra linha para a intervenção em monumentos do Douro - que vão desde sítios arqueológicos e passam por igrejas e mosteiros – e ainda uma outra em Trás-os-Montes que abrange toda a linha de património da fronteira. Também iremos renovar o projecto do Românico Atlântico, em parceria com a Junta de Castela e Leão. A primeira fase, que envolveu quatro milhões de euros e intervenção em 24 monumentos foi concluída. Mas no próximo mês vamos assinar com a Fundação Iberdrola um novo mecanismo de financiamento para vigorar até 2018.

O mecenato está a assumir um papel decisivo nas intervenções. Tem sido fácil encontrar mecenas?
Estamos a ter muito boa receptividade. E isso é muito importante. Não se trata de substituir o Estado, mas antes de partilhar com o Estado a responsabilidade na preservação do património. Faz parte das políticas de responsabilidade social das empresas. Algumas estão mais voltadas para o património, outras para domínios artísticos.

Estão a ser trabalhados mais projectos transfronteiriços para o próximo ciclo de financiamentos?
Estamos a reunir com vários departamentos da Galiza para procurar processos de parcerias. E há um que é determinante, tanto para nós como para a Galiza: os Caminhos de Santiago. São um percurso de grande identidade cultural, mas também um caminho de grande potenciação da componente económica e social de toda a região. Pretendemos reformar as linhas existentes, mas também criar novas. Por exemplo, a Rede de Mosteiros em Espaço Rural de Entre Douro e Minho, um projecto que integra o Mosteiro de Rendufe, Mosteiro de Tibães, Mosteiro de Pombeiro e Convento de Vilar de Frades, e que temos orçados em dois milhões de euros.

O Mosteiro de Rendufe, em Amares, é precisamente um dos que mais preocupação tem causado à população, que contesta o abandono a que foi votado.
Não está esquecido, nem parado. É importante que se saiba, por exemplo, que desde que foi comprado pelo Estado, em 2012, esse valor tem sido pago em prestações anuais de 100 mil euros. Só pela aquisição, continuamos a ter investimento.Mas estamos conscientes da necessidade de intervenção. Em primeiro lugar estamos a trabalhar para definir as funcionalidades que o mosteiro terá no futuro. Em parceria com a autarquia e com a Universidade do Minho estamos a definir a estratégia do equipamento. Esperamos ter o programa base genérico definido até meados deste ano. 

Património imaterial vai ser inventariado
Depois da atenção a que tem sido votada a preservação do vasto património edificado, a DRCN vai começar a voltar-se, agora, para o património imaterial. “Temos vindo a identificar um conjunto de manifestações que podem ser inventariadas e salvaguardadas, desde as festas dos mascarados em Trás-os-Montes, aos rituais de inverno, aos saberes fazer, às festas religiosas. É importante que se preservem essas memórias, porque muitas vezes, mesmo aceitando todos os benefícios do turismo, este  acaba por adulterar de alguma forma as próprias manifestações” argumenta o director regional de Cultura, António Ponte. O processo ainda está “a arrancar”, e a tutela não quer propriamente que as autarquias desatem todas a fazer esses registos. “Queremos primeiro definir o caminho, para não perdermos a eficácia”, explica.
Na região Norte ainda não há nenhum património imaterial reconhecido pela UNESCO – como foi, recentemente, o Cante Alentejano. Para António Ponte, o mais relevante, por agora, é ter registos num inventário nacional: “O importante é que consigamos identificar essas manifestações e criar mecanismos de salvaguarda.”

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