Lista prévia de apoios da DGArtes causa surpresa

De fora ficaram estruturas com trabalho reconhecido no teatro, na dança, na música ou na arquitectura. DGArtes explica que as entidades podem recorrer e que esta apreciação ainda não tem nada a ver com conteúdos.

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Isabel Abreu e Gonçalo Waddington em Três Dedos Abaixo do Joelho, de Tiago Rodrigues, para o Alkantara Festival Pedro Cunha

Se fosse definitiva, a lista que a Direcção-Geral das Artes (DGArtes) enviou na quarta-feira para os candidatos aos apoios directos anuais (2015) e bienais (2015/2016) nas áreas do teatro, dança, música, arquitectura, artes plásticas e de cruzamentos disciplinares arriscar-se-ia a mudar parte do mapa cultural do país.

Este organismo da Secretaria de Estado da Cultura informou ontem os concorrentes a este programa de apoio dos motivos que tinham levado à exclusão das respectivas estruturas do naipe de projectos que, depois, serão avaliados pelas comissões de apreciação, compostas por jurados internos e externos à DGArtes. De fora da lista dos admitidos à apreciação deste “júris” ficaram quase 40% dos projectos a concurso (65 em 169), muitas vezes por causa daquilo que os candidatos definem como excessos de burocracia ou erros da plataforma informática que impediram a submissão de uma série de documentos exigidos pelo regulamento ou que fizeram com que esses anexos simplesmente “desaparecessem”. São cartas de apoio a atestar o envolvimento de outras entidades ou comprovativos de parcerias com empresas e autarquias.

Entre as candidaturas “não admitidas” – que não chegarão à fase de avaliação de conteúdos pelas comissões de apreciação se a DGArtes não considerar relevantes os documentos ou argumentos apresentados em sede de recurso (as chamadas audiências prévias) – estão as da Associação Alkantara, que promove o festival de artes performativas com o mesmo nome; a companhia de teatro As Boas Raparigas…; a Apordoc, que realiza o festival de cinema documental DocLisboa e programa exposições de artes plásticas e fotografia na secção Passagens; a Divino Sospiro, orquestra especializada em música barroca; a Binaural, associação cultural dedicada a projectos transdisciplinares que partem do universo da música em contexto rural; a Circolando, com trabalho no teatro e na dança; ou a Trienal de Arquitectura de Lisboa.

Esta lista, sublinha a DGArtes, é prévia e resulta apenas de uma verificação de requisitos de candidatura e não de uma avaliação de conteúdos. As estruturas têm agora dez dias úteis - até 4 de Março - para, se assim o entenderem, recorrerem desta decisão. E se o que têm em falta é documentação, podem ainda apresentá-la.

“Qualquer candidato pode e deve apresentar os seus argumentos se considerar que tem algo a contribuir para a tomada de decisão”, escreve a subdirectora-geral das Artes, Mónica Guerreiro, num email em que responde às perguntas do PÚBLICO. “Até à data, as entidades que nos contactaram reconheceram os lapsos de instrução das suas candidaturas, o que leva a crer que as propostas de não admissão resultaram de uma leitura adequada dos dados e documentos juntos com as candidaturas”, acrescentou, incentivando todas as entidades a participarem da audiência prévia como forma de salvaguardar algum erro, até da parte da própria DGArtes.

Burocracia e mais burocracia

Recorrer é precisamente o que pretendem fazer os responsáveis da Alkantara, da Circolando, da Binaural e da Trienal de Arquitectura. Mas, contrariando Mónica Guerreiro, não falam apenas de “lapsos de instrução das suas candidaturas” – falam de burocracia, de erros na plataforma digital da DGArtes e de uma complexidade que revela desconhecimento da fragilidade de muitas das estruturas potencialmente candidatas.

O arquitecto José Mateus, presidente da trienal, explicou assim ao PÚBLICO por que razão está, para já, na lista dos projectos excluídos: “O concurso está em fase de período de verificação técnica das candidaturas, seguindo-se o período de avaliação pelo júri. Para se tomar a decisão definitiva, há ainda a chamada audiência prévia em que se pode enviar documentação inequívoca para esclarecer dúvidas. No caso da Trienal de Arquitectura a documentação não foi considerada suficiente para demonstrar uma parceria.” A parceria é com a fundação EDP e existe há já vários anos, esclarece José Mateus, dizendo respeito a uma exposição entre dezenas de projectos que vão existir ao longo de dois anos numa nova edição sobre o tema Constelações, com comissariado de André Tavares e Diogo Seixas Lopes.

O arquitecto está “tranquilo” em relação ao resultado da candidatura aos apoios da DGArtes mas defende que, quando há 40% de candidatos excluídos, pode ser necessário alterar as regras de um concurso com uma burocracia “extremamente exigente”.

Elisabete Oliveira, directora financeira da Associação Alkantara, cuja face mais visível é o festival que voltará a tomar conta de vários espaços em Lisboa em Maio e Junho de 2016, também se queixa da burocracia e das dificuldades que a plataforma digital em que se submetem as candidaturas levanta “permanentemente”. Em falta têm uma carta de apoio de uma entidade externa que Oliveira prefere não nomear. “Tenho a certeza de que a submetemos mas, por algum motivo, não aparece.” Vão recorrer da decisão e reapresentar o documento que “desapareceu” da candidatura e estão “confiantes” de que “tudo se vai resolver”.

A Alkantara está a candidatar-se ao apoio máximo que a DGArtes prevê para este concurso – 200 mil euros – e a directora financeira diz não conseguir imaginar sequer um cenário em que a associação não será subsidiada. Garante que seria “praticamente impossível” continuar a actividade – festival, residências artísticas, trabalho em rede – sem este apoio porque ele assegura boa parte da contrapartida nacional exigida para que a estrutura possa usufruir, como tem sido prática até aqui, de fundos europeus.

Luís Costa, da Binaural, em Nodar, concelho de S. Pedro do Sul, também tem uma carta de apoio perdida na plataforma da DGArtes. Voltou a submetê-la e tem “esperança” de ser readmitido. “Recorremos [voltaram a enviar a documentação] duas horas depois de termos recebido a notificação de que não tínhamos sido admitidos. Isto vai ser revertido. É apenas uma burocracia num sistema complicado que dá muitas vezes erro”, diz, acrescentando que a associação se está a candidatar a um apoio de 48 mil euros – mais 20% do que o que receberam no biénio anterior, justificando o aumento com os dois projectos que tem já em curso no Europa Criativa.

Na Circolando a não admissão da companhia a concurso, mesmo sendo passível de recurso, foi recebida com “supresa” e “choque”. Ana Carvalhosa, a directora de produção, reconhece que não apresentaram uma das chamadas cartas de apoio mas defende que a exclusão é uma “reacção desproporcionada” que ignora uma “candidatura extensa, completa, cuidada, rigorosa”. “Acreditamos que a DGArtes vai ser razoável e aceitar que submetamos o documento que falhou, mas é preciso simplificar o sistema de candidatura, a plataforma. Justifica-se um processo que no fim de preenchidos todos os campos, todos os formulário, produz um PDF com 100 páginas?”

As companhias Ao Cabo Teatro e As Boas Raparigas…, a Divino Sospiro e os Encontros da Imagem (festival de fotografia de Braga) também ficaram de fora por falta ou inadequação da documentação apresentada, explicou a DGArtes. O Cão Danado, estrutura teatral, por exemplo, não redigiu toda a candidatura em português e a Apordoc foi considerada entidade “não elegível”.

Divorciado da realidade

Cíntia Gil, uma das directoras do DocLisboa, promovido pela Apordoc, assegura que a associação já mobilizou os seus advogados para recorrer da decisão. “A DGArtes considerou simplesmente que a Apordoc não se enquadra no tipo de entidades que podem candidatar-se, o que resulta de uma leitura descuidada do que é a actividade da associação. Eu até podia compreender a decisão se a Apordoc só fizesse o DocLisboa e o Panorama, apoiados pelo ICA [Instituto do Cinema e do Audiovisual], mas faz muito mais. Trabalha com artes plásticas, com fotografia, faz formação e tem uma programação regular de actividades culturais, que o regulamento exige. É incompreensível.”

Incompreensível é ainda a complexidade da candidatura, defende a directora do Doc. “O modelo é absolutamente rígido, difícil, e divorciado da realidade da maioria das entidades de produção cultural do país, que são estruturas frágeis, precárias, com equipas pequenas. É a terceira vez que tentamos candidatar-nos e há sempre qualquer coisa que falha. A plataforma parece ter sido criada para levantar problemas – uma candidatura aqui é incomparavelmente mais complexa do que as da Europa Criativa, que à partida são muito mais exigentes e têm de considerar pessoas de geografias e culturas muito diferentes.”

Mónica Guerreiro, a subdirectora-geral, garante que a DGArtes está disponível para ouvir todos os que quiserem refutar as decisões que levaram à lista, num clima de boa-fé e razoabilidade. Assegura que das 65 propostas que não foram admitidas, “pelo menos 44 correspondem a situações que, em sede de audiência prévia, podem vir a ver invertido o sentido da decisão e serem readmitidas”, desde que  apresentem “elementos esclarecedores para o processo”.

Com Isabel Salema

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