Exército ucraniano cede à ofensiva pró-russa e abandona Debaltseve

Washington responsabiliza Rússia por violação de cessar-fogo na Ucrânia. “Parem de fingir que não estão a fazer aquilo que estão a fazer”, disse a embaixadora norte-americana na ONU dirigindo-se a Moscovo.

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Samantha Power na sessão desta terça-feira do Conselho de Segurança da ONU REUTERS/Carlo Allegri
No terreno continuam os confrontos, sobretudo pelo controlo da cidade de Debaltseve
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No terreno continuam os confrontos, sobretudo pelo controlo da cidade de Debaltseve REUTERS/Gleb Garanic
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A bandeira confederada dos rebeldes pró-russos foi hasteada nesta quarta-feira de manhã na cidade de Debaltseve, ponto estratégico entre Lugansk e Donetsk, marcando a conquista dos separatistas após várias semanas de combates e uma derrota para o Governo de Kiev. O Presidente ucraniano, Petro Poroshenko, confirmou a retirada das tropas pró-governamentais que se encontravam cercadas pelas forças rebeldes há pelo menos uma semana.

"Esta manhã, as forças armadas ucranianas, em conjunto com a guarda nacional, concluíram a operação de evacuação planificada e organizada das nossas unidades militares de Debaltseve", anunciou Poroshenko, num discurso feito no aeroporto de Kiev, de onde partiu até à linha da frente dos combates. “Os nossos soldados, bravos defensores da nossa terra, deram um golpe nos dentes daqueles que tentaram cercá-los e retiraram-se de Debaltseve”, acrescentou. Kiev tinha negado até agora que os seus soldados estivessem cercados pelas forças separatistas.

Até ao fim da manhã, cerca de 80% do contingente ucraniano cercado já tinha abandonado a cidade, disse o Presidente ucraniano, que referiu “30 feridos entre mais de dois mil combatentes”. No entanto, jornalistas no terreno descrevem a existência de vários mortos entre as forças governamentais. Um médico disse à AFP que os corpos de 13 soldados foram encaminhados para uma morgue em Artemivsk, a 30 quilómetros de Debaltseve, e um comandante de um dos batalhões paramilitares falou em 167 feridos.

Este importante nó ferroviário que faz a ligação entre as duas principais cidades do Leste da Ucrânia foi um dos locais onde o cessar-fogo acordado em Minsk na semana passada, também conhecido como “Minsk 2”, não foi respeitado. Os dirigentes das autoproclamadas repúblicas populares de Donetsk e Lugansk insistiram que Debaltseve não estava incluída no acordo de cessar-fogo e continuaram os combates.

Com a conquista de Debaltseve, o território agora controlado pelas forças separatistas é consolidado e a ligação entre os dois bastiões de Lugansk e Donetsk fica estabelecida. Para Kiev, esta é mais uma derrota militar – que se soma à queda do aeroporto de Donetsk – cujas possibilidades de inversão se tornam praticamente impossíveis sob pena de enterrarem definitivamente os acordos de Minsk. A retirada de Debaltseve pode também trazer ao de cima algumas tensões entre o lado pró-governamental. A imprensa ucraniana citava o líder de um dos batalhões paramilitares que têm apoiado o Exército que pedia a demissão e o julgamento dos líderes das forças armadas.

As forças separatistas começaram a fazer recuar peças de artilharia pesada nas zonas onde já não se combate — um dos pontos contemplados pelo acordo de Minsk —, de acordo com a agência Interfax, que cita dirigentes da autoproclamada República Popular de Donetsk. A decisão indicia que, com Debaltseve finalmente controlada pelas forças rebeldes, ambos os lados podem fazer recuar as suas armas pesadas de forma a estabelecer o cordão de segurança previsto pelo acordo de cessar-fogo.

As tréguas previstas pelo acordo assinado por Kiev e pelos dirigentes separatistas e apoiado por Berlim, Moscovo e Paris deveriam ter sido iniciadas no domingo. No entanto, os confrontos continuaram sobretudo pelo controlo da cidade de Debaltseve. Na terça-feira, o exército ucraniano já tinha admitido ter perdido “parte” da cidade, enquanto os separatistas reivindicaram o controlo sobre “80%” daquela zona.

O Presidente russo, Vladimir Putin, considerou que os combates na região de Debaltseve são “compreensíveis e previsíveis”, uma vez que as forças governamentais cercadas iriam tentar escapar e os rebeldes iriam responder. “Espero que as autoridades ucranianas não impeçam os soldados ucranianos de pousar as suas armas”, afirmou Putin durante a sua visita à Hungria na terça-feira.

Condenação europeia e americana
A ofensiva rebelde em Debaltseve foi encarada pelas capitais europeias como uma violação do acordo de “Minsk 2”, mas ninguém arriscou afirmar que o compromisso venha a ser revogado. Para Berlim, trata-se de um acontecimento “muito nefasto para as esperanças de paz no Leste da Ucrânia”, disse o porta-voz do Governo, Steffen Seibert. “Para já, é necessário estudar a situação”, referiu o responsável, em resposta à possibilidade de “Minsk 2” ficar sem efeito.

O Governo francês preferiu sublinhar que o acordo de cessar-fogo “não está morto” e que Debaltseve não passou de “uma dificuldade de aplicação sobre um ponto concreto”, segundo disse à AFP o porta-voz Stéphane Le Foll.

A União Europeia condenou "as acções dos separatistas apoiados pela Rússia", que considera serem "uma clara violação do cessar-fogo". A alta-representante para as Relações Externas da UE, Federica Mogherini, apelou aos rebeldes para que "cessem todas as actividades militares". Mogherini deixou ainda antever a possibilidade de novas sanções: "A UE permanece pronta a tomar acções apropriadas em caso de combates ou outros desenvolvimentos negativos que violem os acordos de Minsk."

Antes, os Estados Unidos acusaram directamente a Rússia de promover a violação do cessar-fogo no Leste da Ucrânia, através do seu apoio aos separatistas pró-Moscovo. Foi durante a sessão do Conselho de Segurança da ONU, que se reuniu na noite desta terça-feira, que a embaixadora norte-americana Samantha Power disse ser “irónico” que a Rússia tenha assinado o acordo de Minsk e depois apoie um “ataque em larga escala” na Ucrânia.

“A Rússia assina acordos e depois faz tudo ao seu alcance para os sabotar. A Rússia defende a soberania das nações e depois age como se as fronteiras de um vizinho não existissem”, afirmou Power. “Parem de armar os separatistas, parem de enviar centenas de peças de artilharia pesada através da fronteira para além das vossas tropas, parem de fingir que não estão a fazer aquilo que estão a fazer.”

O embaixador russo Vitali Churkin considerou as palavras de Samantha Power “ofensivas”. “Desde o início da crise, a Rússia apelou activamente a uma solução pacífica através de um diálogo inclusivo e transparente entre todos os lados do conflito interno ucraniano”, acrescentou.

O Conselho de Segurança tem sido um dos palcos de maior confronto diplomático entre o Ocidente e a Rússia desde o início do conflito ucraniano, com os primeiros a acusarem Moscovo de apoiar e participar com forças do exército regular russo. O Kremlin rejeitou sempre as acusações. Apesar do tom de confrontação, os 15 membros do órgão executivo da ONU aprovaram por unanimidade uma resolução que apela às duas partes a “cessar imediatamente as hostilidades” no Leste da Ucrânia e a implementarem todos os pontos do acordo de Minsk.

Antes da troca de palavras entre os embaixadores nas Nações Unidas, o vice-presidente norte-americano, Joe Biden, disse condenar “fortemente a violação do cessar-fogo pelas forças separatistas em coordenação com forças russas”. Caso a violação das tréguas assinadas na capital bielorrussa continue, “o preço a pagar pela Rússia será mais alto”, disse Biden, deixando a porta aberta à aplicação de novas sanções económicas.

As declarações de Biden — as primeiras dos EUA depois da assinatura do acordo de Minsk na semana passada — foram feitas após uma conversa telefónica com o Presidente ucraniano.

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