Repitam, sff: nós não somos a Grécia

Passos Coelho já cometeu muitos erros políticos, mas manter os gregos ao longe não é certamente um deles.

Desde o início da crise que Portugal fez um enorme esforço para se afastar da Grécia e se aproximar da Irlanda no campeonato dos países intervencionados.

Para os mais desmemoriados, recordo que esse esforço é anterior ao actual Governo: há bastas declarações de José Sócrates em 2010 sublinhando que as situações da Grécia e de Portugal são “incomparáveis”. O mantra do Governo ao longo dos últimos cinco anos foi “nós não somos os gregos”, e esse mantra pegou e pagou: Portugal e a Irlanda concluíram com êxito o programa de intervenção, enquanto a Grécia continua a coleccionar pacotes de austeridade.

Mas como há por aí muita gente que não gosta que a realidade se intrometa no meio das suas convicções, boa parte dos dinamizadores do famoso Manifesto dos 74 – de Bagão Félix a Pacheco Pereira, de Freitas do Amaral a Carvalho da Silva, de Ferro Rodrigues a Francisco Louçã – decidiu voltar a juntar-se para mais um espectacular abaixo-assinado, desta vez aconselhando a pátria a ser mais solidária com a Grécia. Portugal anda há cinco anos a tentar fugir desse barco – os 74 insistem em empurrar-nos lá para dentro. Como gesto patriótico, diria que é coxo e desinteligente, mas a verdade é que estamos a falar das mesmas pessoas que em Março de 2014 – dois meses antes do final do programa de ajustamento – acharam que era a altura ideal para informar o mundo de que a dívida pública portuguesa era insustentável e teria de ser reestruturada.   

O problema de boa parte dos referidos signatários é que o seu ódio ao Governo é ligeiramente superior ao seu amor a Portugal – e por isso insistem numa colagem política que dá imenso jeito às suas teses, mas não dá jeito algum ao país, sobretudo numa altura em que a possibilidade de a Grécia sair do euro é uma hipótese que ganha cada vez mais força. Basta, aliás, ler os jornais para verificar que a Irlanda está a criticar os gregos e a estratégia do Syriza com a mesma intensidade que Portugal. É evidente que os países que foram intervencionados, e cujas contas públicas ainda se encontram fragilizadas, têm todo o interesse em aumentar o fosso que os separa da Grécia – não em diminuí-lo. A razão é absolutamente óbvia: se a Grécia sair do euro, eles não querem ser os próximos.

Só mesmo quem acha que a dupla Tsipras/Varoufakis são o Astérix e Obélix da nova Europa, resistindo hoje e sempre ao invasor, é que pode defender que a solidariedade para com a Grécia é uma obrigação moral, que trará de caminho grandes vantagens políticas. No entanto, para quem não acredita que Varoufakis tenha um cantil com poção mágica escondido debaixo do casaco de cabedal – como é o meu caso e parece ser também o caso do Governo e do Presidente da República –, a conversa da solidariedade é muito pouco persuasiva. Solidário com quê? Com as políticas do Syriza? Não contem comigo. Com o sofrimento do povo grego? Bom, então se é de crises humanitárias que estamos a falar, e tendo em conta que o PIB per capita grego é idêntico ao português, diria que o Sudão, a Nigéria ou a Síria merecem mais atenção do que a Grécia. O que me parece ridículo, de qualquer modo, é esperar que um Governo que durante anos procurou afastar-se da Grécia, mesmo quando ela era dirigida por um partido de centro-direita, venha agora saltar para os braços do Syriza só porque Atenas engrossou a voz. Não, senhores: Passos Coelho já cometeu muitos erros políticos, mas manter os gregos ao longe não é certamente um deles.

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