Ludovice Ensemble, uma década a contrariar o mainstream

Depois de ter interpretado música de cerca de uma centena de compositores ao longo de 10 anos, o Ludovice Ensemble regressa à música do Barroco francês com os Concerts Royaux de Couperin no concerto de aniversário esta terça-feira à noite no CCB.

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A dimensão do Ludovice Ensemble pode variar entre o simples duo de cravo e flauta transversal e uma pequena orquestra barroca e coro Enric Vives-Rubio

Para o concerto comemorativo do seu 10.º aniversário, o Ludovice Ensemble escolheu um programa que constitui “um regresso à essência do grupo” e à sua paixão pela música do Barroco francês, pilar fundamental da criação do agrupamento em 2004 por iniciativa do cravista Miguel Jalôto e da flautista Joana Amorim.

Esta terça-feira, às 21h, no Centro Cultural de Belém, interpretam em conjunto com Sofia Diniz (na viola da gamba) os quatro Concerts Royaux, de François Couperin (1668-1733), obras que evocam também outras efemérides, já que foram escritas há 300 anos (em 1714/15) para os concertos de câmara de domingo que tinham lugar nos apartamentos reais de Luís XIV (1638-1715), monarca a quem a música tanto deve, falecido há três séculos.

“Agora que o grupo está a fazer projectos em maior escala, o regresso a François Couperin foi como voltar à essência”, disse Miguel Jalôto ao PÚBLICO. “Quando se faz um concerto de aniversário há duas opções: ou se regressa ao início ou se faz uma coisa grandiosa. Nós seguimos a primeira opção. Gostaríamos que este concerto fosse um reinício, quer no conjunto de instrumentistas, mais intimista, quer no âmbito do repertório.”  

Além da coincidência das efemérides, a escolha dos Concerts Royaux deve-se ao seu “requinte e prodigiosa invenção” musical. “São constituídos por suites de danças, francesas na sua maioria, mas com algumas excepções como é o caso da Courante à l’italienne e da Forlane veneziana no quarto concerto.” O cravista destaca também os Prelúdios de cada concerto como “paradigmas absolutos da arte de Couperin pela sua intensidade expressiva e variedade emotiva, veiculada através do mais elaborado requinte melódico, harmónico e ornamental.”

Criado com o intuito de divulgar a música dos séculos XVII e XVIII através de interpretações historicamente informadas e usando instrumentos antigos, o Ludovice Ensemble é um grupo de geometria variável em função dos repertórios. A sua dimensão pode variar entre o simples duo de cravo e flauta transversal e uma pequena orquestra barroca e coro como sucedeu no Concerto de Natal que realizou no CCB em Dezembro com música de Charpentier, Rameau, Telemann e Bach. No entanto, um crescimento gradual do conjunto não faz parte dos objectivos futuros.

“Uma formação com 12 a 15 pessoas é o nosso ideal máximo. Há obras com orquestra que nos têm sido pedidas, mas esses programas terão sempre um carácter excepcional”, explica Jalôto. “Um agrupamento de grandes dimensões implicaria deixar de combinar a direcção musical com a execução instrumental [ao cravo e/ou ao órgão] para me tornar maestro e eu não quero deixar de tocar para dirigir. A partir daí o meu sonho estaria arruinado, seria afastar-me da natureza do grupo.”

Recorrente em vários programas, a música francesa preenche também o primeiro CD do Ludovice Ensemble com o barítono Hugo Oliveira, intitulado Amour, viens animer ma voix! (Ramée/Outhere) — com cantatas de Campra, Clérambault e Courbois e a peças instrumentais de Louis-Antoine Dornel — e o primeiro CD a solo de Miguel Jalôto que acaba de sair na Brilliant Classics: um álbum duplo dedicado às Suites de Charles Dieupart (ca.1667-ca.1740).

No entanto, ao longo destes 10 anos, o  Ludovice Ensemble foi interpretando um repertório vastíssimo com obras de compositores de outros quadrantes, sobretudo alemãs, mas também italianas e portuguesas. Na folha de sala do concerto desta noite é publicada uma lista que abrange cerca de 100 compositores, cuja música foi já apresentada pelo grupo.

“Procuramos não seguir o mainstream,  estamos sempre à procura de repertório novo ou pouco conhecido e a conceber novos programas, de preferência temáticos. O problema é que o mercado português é muito pequeno e esse imenso trabalho é quase sempre apresentado só uma vez. No panorama internacional o habitual é os agrupamentos rodarem os programas em várias salas de concerto e festivais”, explica Jalôto.

Entre os programas mais marcantes preparados ao longo da última década, o director do Ludovice Ensemble destaca alguns dos que foram dedicados a compositores activos em Portugal no século XVIII. É o caso das “Vésperas para São João Baptista” apresentadas no Festival Música em São Roque de 2013 — “uma das primeiras tentativas de recuperar um contexto cerimonial e reconstruir a dimensão sonora da célebre Capela de São João Baptista encomendada por D. João V, recorrendo à música de Giovanni Giorgi e Antonio Tedeschi” — e  do Concerto de Natal de 2011 na Sé de Lisboa (organizado pelo Instituto Superior Técnico) com os Responsórios e Natal de David Perez e a estreia da Missa Pastoral de Giorgi.  “É também significativo que o Ludovice tenha sido convidado para fazer a estreia moderna da ópera-ballet Les Plaisirs de la Paix de Thomas-Louis Bourgeois [1676-1750/51] no Festival de Utrecht de 2013. É sinal do reconhecimento da maturidade do grupo.”

Nos últimos anos o Ludovice Ensemble participou em festivais na Holanda, França, Bélgica, República Checa e Espanha, mas a internacionalização continua a ser uma meta difícil. “Fizemos o que era possível sem um mínimo de apoio institucional. Os festivais estrangeiros trabalham com grupos que têm apoio financeiro nos seus países. Se os festivais ou salas de concertos têm de cobrir todas as despesas os preços tornam-se incomportáveis. Em Portugal há poucos grupos que se dedicam à música antiga, mas no centro da Europa são numerosos, logo é muito mais fácil recorrer a quem está à mão a preços mais económicos.”

Espera-se que surjam outras oportunidades, mas para já as próximas actuações do Ludovice Ensemble serão em Portugal, sempre com programas aliciantes. Nos Dias da Música do CCB interpretam obras de J. S. Bach e a banda sonora do filme Tous les matins du monde, de Alain Corneau, e em Setembro (também no CCB) colaboram com o Huelgas Ensemble de Paul van Nevel na ópera La liberazione di Ruggiero de Francesca Caccini (1587-1641). Apresenta-se ainda no Festival de Órgão da Madeira e na temporada Gulbenkian com o programa Terpsícore ou Os Carácteres da Dança, em colaboração com o bailarino e coreógrafo Olivier Collin.

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