Portugal é excepção ao colocar crianças e jovens em prisões de adultos

Observatório Europeu das Prisões recomenda que os jovens com menos de 18 anos fiquem totalmente separados dos adultos condenados a penas de prisão. Dos oito países analisados, apenas Portugal coloca jovens dessas idades em cadeias de adultos. Para os centros educativos são enviados aqueles que cometem crimes antes dos 16 anos.

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Caxias é um dos estabelecimentos onde estão jovens com menos de 18 anos Nuno Ferreira Santos

Portugal é o único, num conjunto de pelo menos oito países da União Europeia, que mantém jovens com 16 e 17 anos em prisões para adultos. Um relatório apresentado em Janeiro pelo Observatório Europeu das Prisões (OEP) na Comissão Europeia, em Bruxelas, aponta o incumprimento das regras europeias aplicáveis às prisões sobre as condições dos reclusos de menos de 18 anos em Portugal.

Juntar jovens dessas idades com adultos — como acontece em Portugal — compromete uma adequada intervenção educativa e de reabilitação de presos que ainda não iniciaram uma vida criminal, dizem investigadores ouvidos pelo PÚBLICO, para quem este é “um problema grave” que configura “uma violação clara” da Convenção da ONU sobre os Direitos da Criança. De acordo com a convenção, ratificada por Portugal em Setembro de 1990, os jovens até aos 18 anos são crianças e os seus direitos devem ser acautelados como tal.

“Não se trata de desresponsabilizar os mais novos”, diz Maria João Leote, investigadora do CIS.NOVA — Centro Interdisciplinar de Ciências Sociais da Universidade Nova de Lisboa. Mas de os proteger do contacto com “indivíduos com longas trajectórias criminais” — quando tiverem de cumprir penas de prisão.

Vivências pesadas
Os jovens com menos de 18 anos correspondem ao “tipo de população que tem forçosamente de ficar separado do resto”, afirma por seu lado Rui Abrunhosa, professor de Psicologia Forense da Universidade do Minho. E não ficam. Em Portugal, lembra o académico, só duas prisões têm pavilhões autónomos e distintos onde é possível separar os reclusos de acordo com a idade (Leiria) ou o género (Tires). E se a maioria (dos mais jovens) é enviada para Leiria, outros estão ou estiveram noutras cadeias onde os pavilhões podem comunicar entre si. Rui Abrunhosa crê que jovens dessas idades cumprem pelo menos o tempo de prisão preventiva em prisões como Custóias, com vivências muito pesadas.

Em Dezembro de 2014, havia 106 reclusos com menos de 20 anos (todos homens) em prisões para adultos, ainda segundo informações da Direcção-Geral da Reinserção e Serviços Prisionais (DGRSP). Nessa mesma data, três cadeias acolhiam 55 jovens com menos de 18 anos: o Estabelecimento Prisional de Lisboa (EPL), o Estabelecimento Prisional de Caxias e o Estabelecimento Prisional de Leiria, conhecido por prisão-escola por ter sido construído para acolher jovens com menos de 21 anos, onde estavam 40% dos jovens com menos de 18 anos no sistema prisional.
Em Dezembro de 2013, havia 63 crianças em prisões com adultos e, em 2012, esse número era de 60. Na primeira década deste século, em cada ano, o sistema prisional teve mais de 140 jovens entre os 16 e os 18 anos.

Tal acontece, lembra Maria João Leote, porque se mantém o Regime Penal Especial para Jovens Adultos de 1982, que previa a construção de centros de detenção específicos para os jovens entre os 16 e os 21 anos e que nunca foram construídos.

Entre o que não foi feito, diz a especialista, “o mais visível” é a falta de equipamentos destinados a estes jovens, e “isso leva a que Portugal falhe no cumprimento do imperativo de separação dos menores de 16 e 17 anos dos adultos”. Para a socióloga, este problema também se coloca porque a idade da maioridade civil (18 anos) não corresponde à da maioridade penal (16 anos). A partir do momento em que Portugal ratificou a Convenção da ONU para os Direitos da Criança, “o Estado tem de proporcionar respostas diferenciadas”, sustenta. Só as respostas pensadas para os jovens permitem “uma intervenção mais estruturada e individualizada” e “obriga a um cumprimento mais restrito de regras” com benefícios na prevenção e reabilitação do jovem.

Outro ponto em que, pelo contrário, esta legislação de 1982 tem sido aplicada, estabelece que, para estas idades, a pena de prisão deve ser atenuada, quando o juiz “tiver sérias razões para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção do jovem condenado”.

Para os centros educativos (em regime fechado, semiaberto ou aberto), como determina a Lei Tutelar Educativa de 1999, apenas são enviados os jovens por actos praticados antes de completarem 16 anos. A partir dessa idade, vão para a prisão. Rui Abrunhosa não hesita em identificar aqui “um problema grave” que seria atenuado se a aposta se centrasse na prevenção e no planeamento dos espaços em função da população prisional.

Em resposta ao PÚBLICO, os Serviços Prisionais dizem que a distribuição dos reclusos pelas diferentes cadeias do país “toma também em consideração variáveis como a aproximação aos locais de habitação e às famílias” para facilitar as visitas, e garantem que “os reclusos jovens estão em espaços distintos dos demais”.

Na prática, refere Rui Abrunhosa, a separação de reclusos é difícil de cumprir porque os espaços não foram pensados em função desse afastamento. E aponta: “Um dos princípios do tratamento penitenciário é a separação adequada dos reclusos para se poder desenvolver com eles intervenções que não sejam contaminadas por essa sistémica mais grave das prisões.” E isso não acontece, insiste.

Jovens de gangs condenados
“A legislação aposta na reinserção mas isso só se faz com planeamento”, sustenta. “A questão tem de ser dimensionada em função do número de presos e das características desses presos”, incluindo a idade. Em relação aos jovens, “a previsão que foi feita está ultrapassada”. Um dos problemas é o sistema prisional estar “subdimensionado”, conclui, também por recentemente haver “uma franja considerável de jovens ligados a gangs”.
Os julgamentos dos membros dos gangs Cordoriba (também conhecido por gang Botellon) ou o La Quadrilha terminaram em 2013. Em ambos houve condenações a penas de prisão para jovens com menos de 18 anos (e de outros entre os 18 e os 21 anos). E em ambos, foram dados como provados crimes especialmente violentos – assaltos com armas, extorsão, por vezes agressões com facas e espancamentos de casais indefesos à saída das discotecas na Baixa do Porto ou de estudantes e turistas no Metro do Porto.

“Não se pode descurar as medidas de protecção da comunidade mas, por outro lado, não se pode esquecer o objectivo da prevenção e da reabilitação que está subjacente à pena de prisão”, diz Maria João Leote. Isso reforça a necessidade de uma diferenciação em função da gravidade dos crimes mas também da idade, acrescenta, lembrando que há jovens muito novos na prisão a cumprir penas por actos de pequena criminalidade.

Progressos noutras áreas
O Comité da ONU para os Direitos da Criança tem reconhecido progressos na área dos direitos da criança, mas “sistematicamente” critica esta opção de não distinguir, no sistema prisional, instituições para crianças e prisões para adultos. “É um dos pontos mais importantes e um dos que têm permanecido inalterados desde que a convenção foi ratificada por Portugal na sua plenitude” em 1990, diz Maria João Leote.
As mesmas observações têm sido feitas, nos últimos anos, por organismos internacionais (como o Observatório Internacional da Justiça Juvenil) e nacionais (como o Observatório da Justiça Portuguesa no seu relatório de 2010). E agora também pelo Observatório Europeu das Prisões (OEP), um organismo apoiado pela Comissão Europeia que monitoriza as prisões e é composto desde 2001 por organizações de protecção dos direitos humanos dos presos de Itália, França, Grécia, Letónia, Polónia, Espanha, Reino Unido e Portugal.

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