Os cruzados

São estes os novos cruzados: gente que não gosta dos portugueses e que vive a pensar em como pode engrandecer os donos do dinheiro.

O Governo deu sempre ares de grande determinação em ter de corrigir os excessos dos portugueses e fazê-los empobrecer, tal como um bom pai zelador do interesse supremo da família.

O país esbanjador, com cidadãos piegas, habituados às facilidades do Estado social, tinha de mudar, dizia.

E zumba: professores, médicos, enfermeiros, bolseiros, funcionários públicos, magistrados judiciais, empresários, agricultores, pescadores, comerciantes, todos apertados no torniquete da austeridade.

Na cruzada contra os excessos de vida acima das possibilidades é curioso observar que o modo como foi apresentada ficou de imediato claro que os responsáveis pelo sistema financeiro ficavam de fora, apontando como alvo a esmagadora maioria da população.

A derrocada dos bancos não foi obra dos Jardins, Oliveiras e Costa, Salgados, Dias Loureiros e companhia, que viviam como verdadeiros pachás e gastando o que não era deles, mas sim dos que recebiam os seus vencimentos e rendimentos e aplicavam-no como entendiam, muitas vezes seguindo os insistentes conselhos dos gestores bancários.

Estes governantes, talvez para esconder o centro da crise, atiraram-se aos portugueses punindo-os, confiscando-lhe parte dos vencimentos.

Fizeram-no na melhor tradição inquisitorial, alegando que o faziam para assegurar o bem das vítimas, daí a satisfação com que se atiraram à obra e o desvelo encantatório com que contemplam o resultado.

Todos à uma, mais o íncola de Belém, apregoam que o país está bem, mas a gripe sazonal de inverno, mais que esperada, fez parar as urgências dos hospitais e alguns portugueses morreram ao fim de horas sem serem atendidos, e os responsáveis hospitalares confiscam as macas aos pobres dos bombeiros para os doentes não se espalharem no chão daqueles estabelecimentos.

Todos à uma, trombeteiam o seu contentamento pelo novo estado do país, mas uma em cada três crianças está no limiar da pobreza…

Todos à uma, arreganham a tacha de satisfação pelo país que merece o crédito dos credores, mas não há vacinas para a tuberculose… e a dívida passou de 97% para 135% do PIB.

Todos à uma, dão ares de muito sérios, pois que não querem que os portugueses paguem os prejuízos da TAP e querem vendê-la aos privados que sabem gerir, como se viu nos bancos nacionais e internacionais. Estes privados não são como meros bufarinheiros que todos os dias são confrontados com os compradores do seu produto; não se sabe quem são, sem rosto, mas podres de ricos…

Todos à uma, a caminho de Pequim, Bruxelas, Berlim, Washington, Luanda, Dubai, Riad, oferecendo o país aos mandarins do mundo.

Todos à uma, enfarpelados nos seus fatos escuros ou negros, com um minúsculo emblema de um país que chora a sua tristeza, zurzem o chicote  da austeridade, pois o tempo, segundo o sacerdote máximo de Belém, não está para facilidades… e convém lembrar aos mais distraídos e fazer notar aos credores com quem podem contar.

Todos à uma, anunciam reformas laborais que nunca mais acabam e que significam sempre mais sacrifícios para os que trabalham, a tal ponto que parece existir o objetivo de acabar com o Código de Trabalho e deixar o mercado regular as relações entre o empregador e o empregado… a bem da concorrência.

Todos à uma, como gato a bofe, ao serviço de uma política neoliberal devastando o tecido produtivo português e as condições de vida dos portugueses.

Todos à uma, sem desfalecimento, dando golpes profundos no Estado social e no Estado de Direito democrático, para erguer o Estado mínimo sem gorduras, que deixe à larga e sem leis os donos do dinheiro.

São estes os novos cruzados: gente que não gosta dos portugueses e que vive a pensar em como pode engrandecer os donos do dinheiro para os fazer enriquecer e simultaneamente empobrecer o país.

Há quem diga que tudo isto tem a ver com o futuro e com o ajeitar a vidinha. É o que dizem…

Advogado

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