Um mundo à parte

Um Ano Muito Violento quer demarcar-se do filme de gangsters, progredindo em direcção à fantasmagoria com o retrato de uma personagem.

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Os últimos dias do capitalismo tal como o conhecíamos em O Dia antes do Fim (2011), os primeiros passos como capitalista de um empresário em m Ano Muito Violento: o primeiro e o último filme de J.C. Chandor navegam no mundo fechado de homens que se isolaram do mundo que construíram – acima do chão, nos arranha-céus (O Dia Antes do Fim), ou na bolha do subúrbio (Um Ano Muito Violento).

Foi assim que começaram a edificar a sua queda. O filme que Chandor fez entre estes dois, Quando Tudo Está Perdido (2013), mostrava a solitária e metódica construção pelos gestos de Robert Redford da sua morte no mar, o que parece fixar horizontes de fatalidade e auto-destruição no trabalho de Chandor. Dos três, Um Ano Muito Violento é o que de forma mais explícita (mais exposta: ambiciona, sobe e deixa a descoberto os limites) filma o mundo das personagens como construção obsessiva que vai ser pervertida, o preço do sonho a ser pago em pesadelos.

É um mundo à parte, e parece ser essa a reivindicação do filme. Quando a personagem interpretada por Oscar Isaac, o patrão de uma empresa de óleo industrial que quer construir o seu império sem se corromper (é o ano de maior violência urbana, 1981, em Nova Iorque), diz que passou a sua vida a tentar não ser gangster, é impossível não se estabecelecer diálogo com o “As far back as I can remember, I always wanted to be a gangster” do Goodfellas, de Scorsese: assumindo uma memória, que passa por Scorsese, Lumet, Pakula, o thriller, os gangsters, a Mafia, Um Ano Muito Violento quer autonomizar-se como estudo de personagem, sua estufa e habitat, progredindo em direcção a uma fantasmagoria (o filme que mais se lhe pega até é o Miller’s Crossing, dos Coen, filme de gangsters que já não é filme de gangsters). 

Um Ano Muito Violento

 está cheio de sinais sedutores dessa reivindicação e, simultaneamente, evidencia dificuldades para a concretizar: a personagem de Oscar Isaac (Abel Morales) está sempre demasiado parecida com Al Pacino (e o guarda-roupa, que o actor parece suportar com desconforto, causa atrito no desejo de deslocação do filme e personagem); a desaceleração, como demarcação do operático scorsesiano ou coppoliano, é intrigante mas pouco convincente, não sendo claro onde acaba uma afirmação e começa uma incapacidade – da mesma forma que Abel, com o seu sonho de não compromisso, nunca chega a ser ambíguo, coisa que a personagem bem merecia, a sua alineação ser questionada; é apenas débil: no confronto com a personagem da mulher (Jessica Chastain), que é a ligação ao (sub)mundo real, actor e personagem perdem sempre.

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