Com a ajuda da vassoura, Partido do Homem Comum vence eleições em Deli

O nacionalista hindu Narendra Modi começa a perder poder de sedução junto dos eleitores indianos. O seu partido, o BJP, foi esmagado por um partido anti-sistema. Resultados confirmam que o Congresso definha e os Gandhi também.

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Arvind Kejriwal, antigo inspector dos impostos, quer varrer a corrupção e o BJP da Índia Adnan Abidi/Reuters

Os analistas políticos indianos explicam nesta terça-feira que a lua-de-mel entre os eleitores e o primeiro-ministro, Narendra Modi, terminou. O sinal inequívoco disso foi a esmagadora vitória do Aam Aadmi (AAP, Partido do Homem Comum) nas eleições em Deli, o estado que, tendo a capital do país, é um indicador do que se passa no espírito da nação.

O Bharatiya Janata (BJP, o partido nacionalista hindu, de Modi) não só perdeu o estado que ganhara nas eleições gerais de 2014 como viu os seus 37 deputados ficarem reduzidos a três na assembleia estadual de 70 lugares. Todos os restantes lugares vão ser ocupados por representantes do AAP.

Ganhar (ou manter) o controlo dos estados é crucial para os partidos no poder na Índia, uma vez que isso implica ter mais ou menos representantes na câmara alta do Parlamento. Apesar de Modi ter vencido com larga margem as eleições de Maio do ano passado, o BJP não conseguiu a maioria na câmara alta, onde têm esbarrado algumas das iniciativas legislativas do primeiro-ministro.

Nova Deli não é o espelho perfeito do país, é uma megacidade de 15 milhões de habitantes e o seu cosmopolitismo faz com que alguns dos grandes problemas das regiões estejam ali mais diluídos. Mas o que os eleitores de Deli fizeram ecoa necessariamente fora das fronteiras estaduais: rejeitaram o BJP, um partido com uma postura ideológica ortodoxa, por um lado, e por outro demasiado agarrado à liderança hegemónica de Modi. Uma das primeiras conclusões que todos tiraram do resultado das eleições em Deli foi que o "factor Modi" vai perdendo cada vez mais impacto e que o partido não pode mais contar com a aura de invencível que o primeiro-ministro criara à sua volta.

Modi, que fez questão de participar na campanha do BJP em Deli, deu os parabéns ao "adversário" e, na sua conta de Twitter, disse estar disponível para trabalhar com o AAP para o desenvolvimento da cidade. Não deverá ser assim e todos apostam numa relação crispada entre os nacionalistas hindus e o jovem partido que rejeita a forma tradicional de fazer política e que não tem medo de conflitos.

Alguns membros do BJP disseram, comentando este resultado e tentando minimizá-lo, que a eleição em Deli não foi um referendo ao Governo de Modi. Porém, um dos líderes do partido, Praveen Shankar, assumiu à BBC Índia que o que aconteceu em Deli foi inesperado e abalou o partido: "Nunca esperámos que os resultados fossem tão deprimentes. Nunca pensámos ter um revés destes."

O AAP de Arvind Kejriwal — um antigo inspector de impostos — centrou a sua campanha na apresentação de políticas contra a pobreza ou de protecção dos mais pobres. Também fez promessas específicas destinadas a esta cidade onde os preços sobrem sem parar, assim como as facturas da electricidade e da água. Mas o grande alicerce do partido que não tem uma definição ideológica tradicional está na guerra à corrupção — o motor que levou à criação do partido — que mina o terreno político e ameaça a economia. A vassoura é o símbolo do AAP.

Um dos trunfos do AAP é a profunda ligação às bases — e aos interesses destas —, com centenas de voluntários a acorrerem junto dos diferentes grupos de eleitores. Uma forma de fazer campanha que contrastou com os comícios ruidosos das outras formações. Há quem considere que com esta "campanha invisível" se assistiu ao surgimento de uma estratégia inovadora.

Por oposição ao AAP, o BJP surge aos olhos dos eleitores de Deli como um partido fracturante (o AAP não apela à distinção entre eleitorado muçulmano e hindu) e que, enquanto poder, caminha para uma órbita de interesses que se separou da realidade dos cidadãos: um partido direccionado para as grandes empresas e para as relações comerciais destas.

Em Deli, relatam os jornais indianos, o AAP beneficiou dos votos do eleitorado urbano jovem — milhares de jovens tinham-se voluntariado em todo o país para a campanha eleitoral do ano passado e centenas fizeram agora o mesmo na cidade-estado — e de todos os que desconfiam de Modi e do seu partido, nomeadamente os muçulmanos. Um cenário idêntico poderá acontecer noutras regiões.

"Esta foi uma vitória do povo. A minha prioridade é acabar com a rishvatkhori [corrupção]", disse Arvind Kejriwal, que, em 2013, ano em que fundou o partido, conseguiu ter votos suficientes para se tornar chefe do governo estadual de Deli, mas demitiu-se ao fim de 49 dias. A sua falta de experiência, os ataques e boicotes dos representantes do BJP e do Partido do Congresso e, sobretudo, a ausência de uma estrutura partidária de apoio foram consideradas responsáveis pela fugacidade da experiência. Uma realidade que é, agora, bem diferente. "A nossa organização está em todo o lado e os nossos funcionários vão continuar a fazer trabalho de base", disse o porta-voz do partido, Vaibhav Maheshwari.

Kejriwal disse querer repetir o que aconteceu em Deli noutros estados – há cartazes que o mostram de vassoura na mão a varrer as flores-de-lótus cor de laranja (o símbolo do nacionalismo hindu) de um mapa da Índia. As eleições em Bihar, que devem realizar-se no último trimestre do ano, serão as que poderão dar uma maior indicação sobre o que quer a Índia. É o estado mais populoso da Índia, com uma taxa de pobreza muito elevada, e pode ferir o BJP.

A morte do Congresso
As eleições em Deli confirmaram o que já se adivinhava – o Partido do Congresso, com uma história de 130 anos e que praticamente dominou a política indiana desde a independência do país, está a morrer. Não elegeu nem um deputado no parlamento estadual do estado capital.

Ajay Maken, director da campanha do Congresso, demitiu-se. Já Rahul Gandhi, o presidente do partido, deu os parabéns ao vencedor mas não mencionou a derrota do Congresso.

Rahul, que foi derrotado (esmagado) por Modi nas eleições do ano passado, foi acusado de, mais uma vez, ter partido para a campanha demasiado tarde e de forma pouco empenhada. O partido, que continua a ser controlado pela matriarca da família, Sonia Gandhi, não dá sinais de renovação ou de reestruturação e caminha para a extinção, segundo alguns analistas, que dão também por acabada esta famosa dinastia política da Índia.

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