"É uma exigência maluca impor o actual acordo da troika a este Governo"

O ponto de partida de aceitar 70% das reformas propostas pela troika é um bom ponto de partida, considera o jornalista Nick Malkoutzis em entrevista ao PÚBLICO.

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Alexis Tsipras, primeiro-ministro grego Francois Lenoir/Reuters

Nick Malkoutzis é subdirector da edição em inglês do diário grego Kathimerini, director do site de análise política e económica Macropolis, e contribui para a Fundação Friedrich Ebert. Numa entrevista telefónica fala sobre a base de um possível acordo entre a Grécia e a restante zona euro, os principais obstáculos e “teimosias” dos dois lados.

O Governo grego começou a dar alguns detalhes sobre a sua proposta para um acordo com a zona euro. Quais serão os pontos mais fáceis e os mais difíceis?
Acho que o lado grego ao dizer que aceita 70% do que a troika pediu ao Governo anterior é um bom ponto de partida para discussão. O facto de que também se juntam 10 propostas de reformas próprias a ser discutidas com a OCDE antes também mostra vontade de seguir um programa de reforma. Por isso acho que há um espaço para discussão de ambos os lados.

O que será talvez mais difícil é a zona euro aceitar o levantamento do limite de emissão de bilhetes de tesouro (porque este limite estava associado a um programa e dava assim mais controlo à troika, e sem limite com um programa mais solto poderá haver menos controlo), e uma discussão sobre alívio da dívida que obviamente aconteceria mais tarde mas que seria a base de um acordo mais alargado.

Como é visto na Grécia este ponto de aceitar 70% do memorando?
Até agora há um grande apoio ao Governo, uma sondagem no fim-de-semana mostra que 70% estão a favor de o Governo ter uma abordagem dura nas conversações com a troika. Tenho a sensação de que se voltarem com um acordo de curto prazo e um compromisso de discussão de um acordo maior em Setembro a recepção geral será boa. Onde o Governo pode ter um problema é em convencer a ala de esquerda do Syriza de que não fez demasiadas concessões. Mas se 70% dos gregos apoiam a linha de negociação com a troika, e ao mesmo tempo 70% dizem que querem ficar no euro, na intersecção destas linhas teremos um acordo que as pessoas possam aceitar.

Segundo essa sondagem, 40% das pessoas que votaram na Nova Democracia também estão a apoiar esta linha do Governo. Quão comum é um apoio transpartidário na Grécia?
Não é, e mostra que há um apoio geral à ideia de que isto não está a funcionar, temos de mudar. É uma imagem poderosa ter Varoufakis ao lado de Schäuble a discordar, a dizer que a situação não é aceitável, que o modo como estamos a gerir este problema não está a resultar, isto foi algo que não vimos nos últimos cinco anos. Pessoas de todo o espectro político estão a ver nisso um sinal positivo.

Parte da discussão é técnica, parte é política. Se a Grécia insiste que o caminho não foi o certo, a Alemanha não quererá ser vista como quem tomou uma opção que não está a resultar.
Esse ponto é difícil. Penso que o facto de o Governo [grego] recuar em algumas das suas exigências, como a posição oficial de que queremos uma redução ou perdão da dívida, ao dizer que aceita 70% das reformas, talvez aceite algumas privatizações, está a mostrar alguma flexibilidade. Mas para isso é preciso haver discussão e flexibilidade do outro lado. Se isso pode acontecer, não sei. Quando Schäuble diz que o programa na Grécia funciona, que o desemprego caiu, que as exportações subiram, está errado. Ele pode dizer isso ao público alemão, mas isso não é verdade: ele está enganado ou a mentir. As exportações desceram 1,4% no ano passado, o desemprego diminuiu muito ligeiramente mas a maioria da descida não foi por criação de emprego mas porque as pessoas deixaram a força de trabalho. São factos inegáveis, e se houver vontade de negociação baseada em factos, em números, e não em ideias que se quer vender à audiência interna – e isto vale para ambos os lados – então pode haver uma base para consenso para avançar.

O Governo grego está a ser visto como teimoso, mas defende que o outro lado está a ser igualmente teimoso.
Sim, porque se vamos para o Eurogrupo e a única coisa que os ministros das Finanças da zona euro aceitam é que este Governo concorde em assinar o mesmo acordo que o Governo anterior não quis levar ao Parlamento e que levou efectivamente [à antecipação da votação presidencial] e a eleições antecipadas e à mudança de Governo, então parece que é uma exigência maluca. Há uma questão mais lata em relação à zona euro e à União Europeia: se disserem: ‘tentámos fazer algo na Grécia, não resultou, o Governo não conseguiu, caiu, foram a eleições, e o Governo seguinte chega e vamos tentar fazer exactamente o mesmo e esse Governo vai cair, e vamos continuar até que chegue um que faça o que queremos’ está-se a entrar em território perigoso.

Como avalia os apoios que a Grécia possa ter no Eurogrupo? A recepção de França e Itália ao primeiro-ministro Alexis Tsipras não foi entusiasta, na Áustria o chanceler apoiou o plano de reformas.
Em Paris e Roma não penso que se poderia ter esperado algo de muito diferente. Em pano de fundo há esta preocupação de os países não diferenciarem muito a sua posição da posição dominante na zona euro que é liderada pela Alemanha mas para que outros países também contribuem. Não houve um apoio forte para discutir a dívida, nesse aspecto houve uma reacção morna. Na Áustria, acho que o mais encorajador que o chanceler Faymann disse foi: “temos um governo eleito democraticamente, temos de nos sentar para discutir com ele”. Claro que para criar este tipo de alianças no Eurogrupo é preciso tempo, e este é um Governo novo e inexperiente, que fez alguns erros. Chegam ao Eurogrupo não necessariamente isolados, mas também não sem alguns apoios.

Que tipo de erros fez o Governo?
Houve a sugestão de Varoufakis numa entrevista que a dívida de Itália não é sustentável, é algo que não se pode dizer especialmente de um dos potenciais aliados. Na primeira semana também foi dada uma impressão sobretudo para fora (também porque foi a impressão dada na imprensa internacional) de que poderia ser possível uma aliança mais estreita com a Rússia, o facto de Varoufakis ter começado por Londres, Paris e Roma e só depois ter ido a Berlim foi interpretado negativamente dentro da Alemanha. Penso que tirou alguma da boa vontade conseguida quando o Governo foi eleito.

Em relação à Alemanha, Tsipras levantou a questão das verbas ligadas à II Guerra Mundial. Mas esta não é uma exigência nova do Governo do Syriza.
Não, e nem sequer só do Governo anterior, penso que desde 1990 e da reunificação da Alemanha que líderes gregos – Presidentes, primeiros-ministros e ministros dos Negócios Estrangeiros – falam disso. A posição da Grécia é que renunciou à dívida da Alemanha Ocidental para que esta se reconstruir e que se a Alemanha se reunificasse a questão seria analisada. Depois há as indemnizações, sobre as quais a Grécia tem uma posição mais frágil. A posição mais forte é em relação ao empréstimo forçado que os nazis tiveram do Banco da Grécia, e que o regime nazi começou, aliás, a pagar, antes de cair. Na Grécia há uma ideia de que em relação a este empréstimo forçado há base para um caso, e o Syriza está apenas a continuar a tradição: os governos gregos chamarem a atenção da Alemanha, e a Alemanha recusar que esta seja uma questão.

Em relação à Alemanha, a primeira acção do primeiro-ministro Tsipras foi ir visitar um memorial a vítimas dos nazis na II Guerra. Como vê esta acção?
Acho que não pode ser interpretado apenas de um modo. É talvez uma mensagem para a Alemanha – estamos a falar de que temos de pagar uma dívida, mas há mais dívidas para além das financeiras. Foi também uma mensagem para a esquerda na Grécia, que desde a II Guerra Mundial e até que o Partido Comunista foi legalizado nos anos 1980 se sentiu perseguida. Penso que é também uma mensagem para o público grego, de que não nos podemos esquecer o que fez a extrema-direita depois de uma eleição em que a Aurora Dourada foi o terceiro partido mais votado.

   

 

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