Prédio a quatro metros do muro da Igreja contestado nas Caxinas

Câmara de Vila do Conde aprovou construção de 16 metros de altura que, para a comunidade piscatória, tapa a sua famosa igreja em forma de barco

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Os pilares do prédio em construção estão, segundo responsáveis paroquiais, a três metros e meio do muro da igreja Maria João Gala
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A construção de um prédio com 16 metros de altura a poucos metros de distância da Igreja do Senhor dos Navegantes, conhecida um pouco por todo o lado por causa da sua configuração em forma de barco, está a ser contestada na comunidade piscatória das Caxinas, em Vila do Conde. “Estamos a tentar acalmar o pessoal, mas o povo está a ficar revoltado e nós estamos com o povo”. É assim que o tesoureiro do Conselho Económico e social da paróquia traduz a “insatisfação generalizada” dos caxineiros.

Zacarias Gavina assegura que os responsáveis da paróquia “desconheciam o que estava para nascer” ao lado do templo e só há cerca de duas semanas, quando surgiram os pilares do edifício é que compreenderam que o prédio vizinho, com rés-do-chão e quatro pisos, ia ficar demasiado perto de uma igreja que precisa de espaço para ser compreendida a sua opção arquictetónica.

O desenho do edifício foi feito pelo padre Manuel Gonçalves e procurou vincar a principal característica da numerosa comunidade: a ligação à pesca. Desde que foi inaugurado, em Agosto de 1985, o templo tem sido referido amiúde, por inúmeros habitantes locais, que ajudaram a custear a obra, e mesmo por quem não o frequenta, como uma marca distintiva de uma terra orgulhosa na sua matriz marítima. Daí que, Zacarias Gavina realce que este caso do prédio “indesejado está a mexer com toda a população caxineira”.

Na verdade, também a presidente da Câmara (entidade que aprovou e licenciou o novo imóvel) se diz “preocupada” com o “impacto” que o edifício está a provocar na parte mais populosa da cidade de Vila do Conde. “Não estava à espera de ter este problema. Estou a sentir-me penalizada. Sinto que a população está descontente, que a Igreja está descontente e que temos de encontrar soluções, dentro de uma base legal, que satisfaçam a todos, minimizando a situação instalada” afirmou ao PÚBLICO.

A autarca socialista confirmou que já se reuniu com autoridades religiosas, inclusive com o responsável pela paróquia, Monsenhor Domingos Araújo. Este não presta declarações públicas sobre o caso, mas Zacarias Gavina garante que a Arquidiocese de Braga “já está no terreno e ao lado da paróquia” tendo já mobilizado para este caso especialistas “em engenharia, arquitectura e direito”.

Do ponto de vista da processual, Elisa Ferraz garante que “o licenciamento [do edifício] cumpriu todos os requisitos legais”. O imóvel inseriu-se numa operação de loteamento de 1983 e que “teve uma alteração em 2008”, num lote então municipal, permitindo o surgimento do edifício nos moldes que está a suceder.

A Câmara vendeu um primeiro lote, na área mais a norte do quarteirão, onde foi construído um prédio mais distante da Igreja. E em 12 de Setembro de 2013, na sua última reunião enquanto presidente de Câmara, Mário Almeida propôs ao executivo a venda, em hasta pública, do segundo lote, com a área de 560 metros quadrados, onde surge agora a construção polémica. A venda teve a anuência da oposição do PSD. Elisa Ferraz, à altura vereadora, não participou nessa reunião. Dois meses depois, com a autarca já na presidência do município, a Assembleia Municipal aprovou a alienação do lote somente com a abstenção da CDU.

No anúncio da venda do terreno, a Câmara esclarecia que este se situava na Avenida Infante D. Henrique (a poente), confrontava a norte com o outro lote, e a sul e nascente com — e aqui é que não parece bater certo com a realidade actual — “com arruamento a abrir” entre a marginal e a rua que passa à frente da Igreja, a Avenida Dr. Carlos Pinto Ferreira.

“Falaram-nos há tempos de que surgiria uma rua com seis metros de largura, mas agora, o que lá está não é isso. A três metros e meio do muro [do terreno com a Igreja] estão os pilares do edifício. Se tem 16 metros de altura devia estar oito metros afastado do muro, pelo menos”, constatou Zacarias Gavina, numa posição partilhada por um vereador independente eleito pelo PSD,  o arquitecto João Amorim Costa.

Elisa Ferraz confirma que a autarquia pretende abrir o tal “arruamento”, uma “via pedonal que poderá ter “entre sete e oito metros de largura”. Mas o que está a ser estudado é que, no local do prédio, os peões entrem numa “galeria”. Ou seja, se for esse o caso, a empena do prédio vai continuar, por cima, a interferir, a quatro metros de distância, com as vistas para a igreja. Algo que não agrada aos contestatários.

Em todo o caso, para que a via possa fazer a ligação entre as Avenidas Carlos Pinto Ferreira e Infante D. Henrique, sempre encostada ao muro do terreno onde se encontra a Igreja, a câmara acelerou o processo de aquisição de uma casa no extremo nascente. Ao lado dessa habitação existe uma outra que pertence à autarquia e é com o efeito futuro da demolição de ambas e o consequente “desafogar” da pressão urbanística sobre o templo, que Elisa Ferraz procura colocar água na fervura junto das autoridades eclesiásticas e dos caxineiros.

Entretanto, o PSD, maior partido na oposição, já requereu à câmara todo o processo para tomar uma posição oficial sobre a matéria, mas Amorim Costa, que é professor de arquitectura, já adiantou ao PÚBLICO que, para a sua bancada, a autarquia deve promover enquanto é tempo “uma diminuição da volumetria” do edifício que, na sua perspectiva, tem um forte “impacto urbanístico negativo” na igreja.

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