O examinador foi ao exame

Para realizar com sucesso a Prova de Avaliação de Conhecimentos e Capacidades (PACC), a que foi recentemente submetida uma parte dos professores contratados, os examinandos – como pode comprovar quem se entretenha com o edificante e ilustrativo exercício de a resolver – tiveram de satisfazer dois requisitos: 1º) suspender até ao limite máximo das suas capacidades o espírito crítico, para que em nenhum momento se levante uma suspeita ou uma interrogação sobre alguns pontos do enunciado da prova, sobre algumas das suas formulações, ou sobre a prova na sua totalidade enquanto instrumento de medição de competências e conhecimentos para se ser professor em qualquer grau de ensino; 2º) uma vez assegurada a disposição para ver o enunciado da prova não como uma charada para animar os lugares de convívio familiar ou social, mas como um exercício plausível e cheio de racionalidade metodológica, é preciso uma identificação total com a estultícia dos examinadores, até esta parecer, mesmo naqueles momentos em que a fé começa a vacilar, prova de uma suprema inteligência, à altura da qual o examinando tem de ascender. Deste modo, sempre que o examinando, preparado para a actividade de problem solving, achar que há incongruências e até erros, deve pensar que isso acontece de propósito, por crueldade, e não por estupidez. É que a crueldade provoca, mas a estupidez desmoraliza. Deste modo, nenhum examinando deve seguir o exemplo dado por Luís Miguel Queirós, que neste jornal escreveu um artigo para, entre outros exercícios amargos, mostrar que a resposta que os avaliadores dão como correcta, e que os examinandos teriam de escolher entre as quatro que lhe são propostas, é afinal muito menos correcta – escrevia o Luís Miguel – do que outra que os critérios de avaliação não contemplavam. Eu subscrevo e até radicalizo: a única resposta admissível é uma das consideradas incorrectas pelos examinadores. Mas este erro, criando muito embora um enorme problema se os examinandos reclamarem e o examinador ministerial for obrigado a reconhecê-lo (certamente mais fácil de resolver do que aquele do célebre e funesto algoritmo), pode ser levado à conta de uma falha ocasional. Muito embora devamos verificar que sempre que na prova há um item que implica interpretação de um texto, a tendência é para o deslize, ou até para a fatal escorregadela. Porquê? Porque a máquina de guerra destes testes estandardizados consiste na obsessão pela objectividade, pela medição de algo que é objectivo, e se não é tem de passar a ser. Só assim é possível dar como evidente o pressuposto de que uns testes de escolha múltipla permitem medir o valor e a competência dos professores. E, dizendo isto, não queremos saltar para um outro patamar em que se torna legítima a pergunta: de que modo é que um professor “competente” acaba por se encontrar com a “impossibilidade” que caracteriza todo o ensino? “Impossível”, importa esclarecer, é o modo como Freud caracterizou certas experiências, entre as quais o ensinar. Constante e constitucional, e não uma falha ocasional, é o que podemos encontrar noutros momentos, na prosa inominável exarada nos documentos públicos do examinador. O que explica, aliás a incapacidade de identificar como uma péssima tradução incompreensível (e, por conseguinte, inapresentável no momento em que também está a ser testada a competência dos examinandos na elaboração escrita) o excerto transcrito num outro item. O que vemos neste tipo de provas é, mais uma vez, a falácia da máquina da avaliação: ela presume uma cientificidade que de modo nenhum consegue demonstrar que possui.

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