Pond: Chegou a hora de flutuar no espaço

Conhecemos os Pond porque descobrimos os Tame Impala, mas é tempo de os ouvir sem o peso dessa referência. Man It Feels Like Space Again é o caleidoscópico sexto álbum dos australianos. Jay Watson fala ao Ípsilon.

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Quando no Verão de 2013 encontrámos parte dos Pond nos bastidores do Optimus Alive, eles preparavam-se para editar Hobo Rocket, o seu quinto álbum. Os Pond não tocaram nesse festival, mas Jay Watson e Joseph Ryan fazem parte da banda de palco dos Tame Impala de Kevin Parker e era nessa condição que viajavam mundo fora. Nessa altura, ficámos a saber que Hobo Rocket fora um álbum inesperado. Já tinham outro preparado mas, entretanto, “aquilo” que se tornaria Hobo Rocket aconteceu-lhes num fim-de-semana de jams em Perth, a cidade australiana onde nasceram, e decidiram que não valia a pena esperar.

Ano e meio depois, quando Jay Watson, guitarrista, teclista e baixista, nos atende o telefone em Perth, em Fevereiro de 2015, ele acabado de sair da mesa de jantar, nós a começar a digerir o pequeno-almoço, já ouvimos o que os Pond tinham deixado em pousio em 2013. Man It Feels Like Space Again é o título do álbum. Novo capítulo da viagem. Um álbum feito caleidoscópio delirante de psicadelismos de origem diversa, onde o amor e o humor andam de mãos dadas. “Muita gente, quando não gostava dos Pond, classificava-nos como derivativos, como um pastiche de vários coisas que existiam no passado”, conta Jay Watson. “O engraçado é que isso sempre foi feito de forma deliberada. O pastiche sempre foi o objectivo”.

Man If Feels Like Space Again, com a sua motorika para pôr James Murphy na pista de dança (Elvis flaming star), com o seu space-rock feito tira de BD de cores garridas (os MGMT a espreitar por trás da página em Zond), com a sua investida galáxia dentro, depois de tomado de assalto o sistema de navegação da nave Funkadelic (Outside is the right side) ou com a longa suite de encerramento, de harmonias vocais Beatlescas a levitação celestial em sintetizador, é realmente um trabalho de colagem. Um belíssimo trabalho de colagem, feito com a mestria de quem conhece profundamente a arte retalhada e colada, e com a descontracção dos nativos dos nossos antípodas.

Pergunte-se a Jay Watson porque anda tanta banda por aqueles lados a carregar nas propriedades sonhadoras do cânone rock (eram os Tame Impala e estes Pond, são os Blank Realm ou os King Lizzard & The Gizzard Wizard) e a resposta passa do “não sei” inicial, o de quem não aprecia generalizações abusivas de todo um povo, à justificação possível: “Talvez esteja relacionado com o temperamento da personalidade australiana. Talvez seja resultado do nosso lado mais fantasioso”. Perceber a Austrália de Perth que existe neles fará incidir alguma luz sobre a música que fazem, mas a verdade é que, perante o novo tomo da discografia dos Pond, será mais interessante concentrarmo-nos no universo privado da banda.

Man It Feels Like Space Again chega num momento em que classifica-los como “banda paralela” dos Tame Impala é ainda mais errado do que anteriormente – e até encontramos Kevin Parker na ficha técnica do disco, enquanto autor das misturas do álbum, mas esse facto é pouco surpreendente tendo em conta a relação fraternal que mantém o pessoal de ambas as bandas - estão unidos pela música, só música, tudo música, que lhes ocupa todas as horas do dia. Os Pond começaram por definir cada álbum enquanto novo passo na carreira imaginária de uma banda da década de 1970 – que eram eles próprios. Beard, Wives and Denim (2012) seria o álbum de recolhimento bucólico que sobreveio ao imenso sucesso comercial. Hobo Rocket, o disco gravado por uma banda redescobrindo o prazer de tocar ao vivo. “Essa foi a nossa ideia original: gozar com os clichés de uma banda rock. Mas já não precisamos de recorrer a esses truques e jogos de referências”, confessa Jay Watson.

Os Pond, que a início julgavam impossível chegar mais longe que Melbourne ou Sidney, já não precisam de inventar outro percurso que não o seu. O caminho que os levou a Man It Feels Like Space Again começou há dois anos. Tinham as canções compostas, aconteceu-lhe o tal fim-de-semana demasiado excitante para deitar fora e nasceu Hobo Rocket. Editado esse disco, meteram mãos à obra. Era preciso dar corpo às canções. “Gravámos num estúdio em Melbourne, muito pequeno, muito humilde. Gravámos em fita, utilizando muito do material muito estranho e muito antigo que tinham lá. Mas também gravámos faixas directamente para os nossos laptops. O disco é, portanto, uma mistura de gravação profissional num estudo e gravações caseiros nos nossos pequenos laptops”, explica.

As canções correspondem ao imaginado inicialmente, com a diferença de a produção ser “muito melhor que o habitual” neles. Era um dos objectivos: “Ainda tem arestas vivas, como gostamos, mas não tanto. É um melhoramento”. Outro objectivo era que o álbum fosse como que uma colagem de canções de proveniências diferentes. “Queríamos que cada música soasse como se pudesse pertencer a álbuns distintos. Gosto muito dos discos dos Ramones, em que todas as canções são semelhantes, mas adoro álbuns em que cada canção parece habitar o seu próprio género”. Dá como exemplos a discografia dos Beatles, o último de Ariel Pink, pom pom, ou grande parte de discografia de Beck. “Nunca sabes o que virá a seguir, e isso torna mais excitante a experiência de ouvir os discos”. Faz uma pausa e acrescenta. “Pelo menos na primeira vez que os ouves”. E solta uma gargalhada.

Nos Pond, a seriedade nunca está muito distante da galhofa, digamos assim. “Talvez fossemos capazes de fazer álbuns mais consistentes ou mais apelativos ao público se nos editássemos um pouco mais, mas esses contrastes fazem parte de nós. Temos canções ridículas, temos canções pop, temos canções sérias e temos canções bonitas. Alguns dos nossos vídeos são ridículos, outros são sérios, ou melhor, não serão totalmente sérios, mas são trabalhos artísticos decentes. É assim que temos funcionado”, conclui. Minutos depois, resume: “Só estamos a tentar ser nós próprios”. É resumo suficiente. Estamos no espaço novamente e não queremos que os Pond sejam mais que aquilo que dizem ser. Eles próprios.

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