As Sleater-Kinney ainda têm coisas para dizer

Falar do novo disco das Sleater-Kinney como se fosse apenas um regresso é um erro. No Cities to Love é uma continuação, apesar de algumas mudanças, de algumas surpresas. Há bandas que a história e a amizade não deixam acabar. O Ípsilon falou com Janet Weiss, a baterista do trio de Portland.

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Das três mulheres que compõem as Sleater-Kinney, Janet Weiss é a mais serena e ponderada.

Não é uma polemista generosa, como Carrie Brownstein, não é tão assertiva, nas suas opiniões, como Corin Tucker. Fala sem reticências e exclamações, desfaz equívocos. A sua franqueza tem o peso, o mesmo peso, dos movimentos com que anima a bateria, afinal o esteio (musical) das Sleater Kinney. Têm-lhe cabido falar à imprensa do novo disco, o notável No Cities to Love e, a partir de Portland, numa breve conversa com o Ípsilon, cumpre discreta e gentilmente essa tarefa.

As Sleater-Kinney estão de volta, dez anos depois de The Woods (2005) e sabe bem ouvir as suas vozes contra a atmosfera prazenteira, amorosamente flácida que envolve, com mais ou menos penugem, o indie-rock actual. No Cities to Love, contudo, não é obra terapêutica, nem militante. Não pretende constituir uma reacção. Surge como expressão de uma vontade que se foi tornando incontrolável: a de comunicar (com a) música. “A possibilidade de voltarmos como banda pareceu-nos sempre muito interessante”, diz a baterista. “Nunca achei que tínhamos acabado. Ainda tínhamos muitas coisas para dizer. Havia uma vitalidade qualquer que persistia. Não estava tudo dito e não estava tudo feito”.

Note-se que Janet, Corin Tucker e Carrie Brownstein continuaram a escrever e a tocar durante o hiato de dez anos. Janet ao leme dos Quasi com Sam Coomes, a colaborar com Stephen Malkmus & The Jicks ou na bateria das White Flag, Corin na sua própria banda e Carrie (também) nas White Flag. A vida continuou depois de The Woods, mas foi neste disco, explorando o hard-rock e o rock psicadélico, que o trio reencontrou o caminho para o regresso. Obra aplaudida pelo saxofonista Mats Gustafsson – e que mereceu da revista The Wire um belo texto de John Mulvey – surge como prólogo distante do novo álbum. “Quando [The Woods] ficou pronto, sentimo-nos exaustas. Nunca tínhamos feito um disco assim. Foi uma surpresa para as pessoas e para nós. Experimentámos bastante, alargámos o som a outros universos. Mas achámos que não conseguíamos ir mais longe em termos musicais e por isso parámos”. Dessa conclusão, sobreviveu sempre a memória de um entusiasmo que alimenta o novo trabalho. “Antes de The Woods, cada disco surgiu sempre como uma resposta ao anterior. Por exemplo, depois de Dig me Out [1997], mais pesado e ‘punk’, fizemos The Hot Rock (1999), que é considerado um disco introspectivo. Com The Woods creio que interrompemos essa sequência. Procurámos ver até onde podíamos ir. Foi isso que voltámos a fazer em No Cities to Love

Há pessoas que nos querem ouvir
Se o método mudou, as SK não. A sua força permanece inviolada e só com muito esforço e boa vontade se descobre no actual panorama do indie-rock uma banda que exiba a mesma intensidade e urgência. Exagero? Ora, a justeza desta afirmação foi tacitamente reconhecida num célebre texto de Carrie Brownstein, publicado em 2009 num blog entretanto defunto. O título do artigo – Rock Music Goes The Way of The Beard – só era misterioso para os mais desatentos e no último parágrafo a guitarrista exortava os músicos (de asas angelicais e barbas sensíveis) a ouvirem os Stooges e as Bikini Kill. What we need is more contemporary rock music that adresses or mirrors the chaos, the gray areas and the uneasiness, escreveu. É verdade que, pouco tempo depois, Carrie viria a fazer as pazes com o mundo, mas a questão não perdeu pertinência. “Percebo o que quer dizer”, diz Janet Weiss, “mas não regressámos para comentar ou criticar a actual cena musical. O disco não é uma reacção. Fizemo-lo para e por nós próprias, focámo-nos no que estávamos a fazer. Nem tivemos tempo para pensar noutras bandas ou músicos”.

Se No Cities to Love não é um comentário ao indie-rock, é certamente à paisagem social e política da América, como tão bem ilustram Price Tag, Fade ou Fangless. A frivolidade da cultura pop, a atomização dos artistas e sobretudo, a mercantilização totalitária da música ainda inquietam as SK. “Sim, é verdade. Todas as bandas passam por dificuldades, nós também as conhecemos. O que acontece é que agora os músicos parecem dispostos a tudo. Perseguem carreiras e põem, sem hesitar, a música que fazem ao serviço de marcas, de anúncios, do dinheiro. A música já não é um fim, mas um meio”.  A história das SK está intimamente ligada ao underground rock americano dos anos 80/90 como a caixa “Start Together” tão bem mostrou. E o novo disco prologa, ao mesmo tempo que protege, essa ligação. Sim, deve-se, pode-se falar de uma tradição. “Concordo. Não íamos começar a fazer a reggae agora [risos]. Mas o que tentámos fazer neste disco foi alcançar novos territórios com as melodias, com os coros fortes e as guitarras. Sobre a caixa, não creio que tinha sido, para mim, uma influência directa. E não diria que contagiou No More Cities to Love. A Carrie é que dirigiu, com a equipa da Sub Pop, todo o processo de remasterização, a edição das imagens, acompanhou tudo. Eu estive mais concentrada na produção do novo disco, mas quando ouvi e vi o resultado desse trabalho foi muito emocionante, fiquei muito orgulhosa”.

No Cities to Love traz algumas novidades à interacção que sempre pautou a criação das três artistas. “A Corin e Carrie estiverem mais próximas. Passaram anos sem tocar uma com a outra e precisaram de estar mais tempo juntas. Por isso, a dinâmica entre as guitarras é mais forte. Algumas canções foram, praticamente, feitas por elas e eu acrescentei os ritmos. Foi um trabalho muito faseado.” O desfecho dessa colaboração já se conhece: um disco que retoma a conversa que a banda sempre apreciou ter com o seu público. “Os concertos são muito importantes pois permitem-nos falar com a audiência. E na próxima digressão esperamos encontrar gente mais jovem. A América é um país muito grande e sabemos que há nas cidades pequenas, em lugarejos anónimos, quem considere importante o nosso legado musical, as nossas canções. Esperamos, por isso, poder levar-lhes a nossa música, estar com essas pessoas”. Na Europa, um dos concertos mais aguardados será no palco do Festival Primavera, em Barcelona, mas em Portugal as Sleater-Kinney convencem menos que a barriga de Black Francis. Não há concertos no horizonte. “Pode dizê-lo, nunca fomos muito populares (risos). Porquê? Nunca me preocupei muito com isso. Essa é uma pergunta que deve fazer aos seus colegas, amigos”.

 

 

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