Os guardiões da galáxia

Os irmãos Wachowski perderam-se depois da Matrix, e reencontram-se em parte com esta space opera de fancaria assumida.

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Cinecartaz: Trailer A Ascenção de Jupiter

Quando é que perdemos de vista que um blockbuster é suposto ser escapismo desvairado em universos de exotismo de fancaria? Quando é que passámos a exigir dos nossos entretenimentos que fossem sisudos, sérios, com um subtexto existencialista?

Provavelmente, pela altura em que os manos Wachowski libertaram a Matrix (nos idos de 1999) e provaram que era possível fazer-se pulp fiction pop apontada ao cérebro dos nerds deste mundo, enquanto Bryan Singer (X-Men, 2000) e Sam Raimi (Homem-Aranha, 2002) tomavam de assalto o universo dos super-heróis com sisudez.

Isto tudo vem a propósito dos caminhos tortuosos com que os manos Wachowski têm gerido a sua carreira pós-Matrix, e que culmina agora em A Ascensão de Júpiter, que é exactamente aquilo que um blockbuster tem obrigação de ser: desconchavado, desvairado, derivativo, delirante, descartável – e muitíssimo divertido. Com uma vantagem suplementar que não é nada de se deitar fora: sabe que é tudo isso, tem orgulho em sê-lo, borrifa-se nas fórmulas exigidas pelo marketing e faz o que lhe dá na real gana. E o que é que lhe dá na real gana? Contar a história de uma mocinha que ganha a vida a limpar casas em Chicago, que se vê atirada para o meio de uma conspiração sideral onde é a reencarnação de uma poderosa matriarca assassinada. Jupiter (Mila Kunis) “toma o comprimido” e descobre-se “do lado de fora da Matrix”, atirada para uma space-opera gloriosamente tresloucada onde a Terra é uma simples “herança” disputada entre si pelos filhos do clã Abrasax, um recurso industrial como qualquer outro a ser explorado pela indústria galáctica.

Falávamos ali atrás de pulp fiction e é mesmo isso que A Ascensão de Júpiter é: uma space-opera “à moda antiga” que rouba descarada e desavergonhadamente (da Guerra das Estrelas, do universo Marvel, da própria Matrix), e que parece comprazer-se nessa amálgama de reciclagens assumidas com desenvoltura. É uma série B dos velhos tempos, que tem consciência de todas as falhas que tem e decide que basta a energia e a desfaçatez para o compensar. E que, ao fazê-lo, reencontra algum do élan que dávamos por perdido no cinema dos irmãos desde a féerie em coma diabético de Speed Racer (2008). Acima de tudo, há uma ideia de espectáculo, e de convite ao espectador, que A Ascensão de Júpiter assume a fundo e que parece ter mais a ver com uma ideia perdida de aventura clássica de Hollywood do que com a actual linha de montagem de super-heróis – basta olhar para a própria estrutura do filme, para a natureza das suas espectaculares sequências de acção, para reconhecer uma dívida muito maior às fórmulas clássicas dos serials. E o resultado pode não ser tão inspirado como a Matrix o foi no seu tempo, mas, a par do igualmente incompreendido John Carter e dos bem divertidos Guardiões da Galáxia, prova que ainda há esperança para o blockbuster americano.

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