Sexismo: bares do Cais do Sodré protestam com mulheres de apito

Qual a diferença entre as modelos vestidas de fiscais de linha e as trabalhadoras sexuais da zona? Enquanto pensam, lanço um facto: são todas mulheres e merecem ser dignificadas e não transformadas em objectos sexuais

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Nuno Ferreira Santos

Muito se discutiu e pouco se aprendeu com a nova política de restrição de horários dos estabelecimentos nocturnos na zona do Cais do Sodré. Se tempo é dinheiro, houve quem conseguisse tornar o tempo e o dinheiro num "vazio-cheio" de sexismo, objectificação das mulheres, um insulto a todas as pessoas decentes.

Nunca é demais referir que as mulheres são PESSOAS com deveres e direitos que pressupõem uma igualização irrevogável. Têm direito a ser respeitadas, protegidas e promovidas, não devendo carecer de alertas, sensibilização para que tal aconteça. Ora, parece-me que o mais importante para os proprietários ou proprietárias de alguns do bares do Cais do Sodré não é o proporcionar um ambiente saudável, enriquecedor e igualitário para todos os clientes, mas sim, fazer dinheiro sem olhar a meios, passando por cima de tudo e todos. Ou só das mulheres.

O Movimento Lisboa Com Vida, que representa 13 pequenos bares situados no Cais do Sodré, reunido para o combate à proibição de venda de bebidas para consumo no exterior dos estabelecimentos após a 1h, que entrou em vigor no dia 30 de Janeiro, resolveu protestar da seguinte forma e passo a citá-lo: “Os membros do Movimento Lisboa Com Vida resolveram fazê-lo 'de uma forma divertida' para que os clientes 'não sintam que a culpa é dos bares, mas sim da autarquia'. E qual foi a forma ‘divertida’ aplicada: “à porta vão ter modelos vestidas de fiscais de linha, com bandeirinhas e apitos, a assinalar 'fora de jogo' aos clientes que tentarem sair para a rua com copos na mão.” 

Pois bem, cumpridores ou não dos novos horários em vigor, senhoras e/ou senhores, estais totalmente fora de jogo e, mais gravoso, cometendo uma grande penalidade: agir como misóginos. Combater fogo com o fogo é uma coisa. Recorrer a estratégias decadentes e humilhantes, não, obrigada. Se a Câmara de Lisboa decretou um horário que desagrada a alguns, o protesto de uma dúzia de pessoas desagrada a muitos mais. E aqui, a culpa é vossa.

Não podemos esquecer a diversidade social, tranquila e menos tranquila que se abriga no Cais do Sodré. A JSD Coimbra propôs legalizar a prostituição e foram muitas as vozes que se insurgiram contra e a favor. Algumas das favoráveis, porém, preconceituosas, apresentam "argumentos", aparentemente, capitalistas/democráticos: “Se eu pago impostos, porque não pagam elas também?!” Elas? Quem são elas? Seres à parte? Foragidas? Acossadas.

Se o Cais Sodré era "out" e passou a ser "in" com a sua "Rua cor-de-rosa", "news flash", o rosa desbotou e o Cais do Sodré corre o risco de ficar novamente "out". Qual a diferença entre as modelos vestidas de fiscais de linha e as trabalhadoras sexuais da zona? Enquanto pensam, lanço um facto: são todas mulheres e merecem ser dignificadas e não transformadas em objectos sexuais. Se há quem diga que ser "prostituta" é uma opção, com toda a certeza afirmo: ser "modelo-fiscal-de-linha-com-um-apito-à-porta-de-locais-nocturnos" é indubitavelmente uma opção. Má.

Por isso, em inglês, mas ao alcance de muitos cidadãos e cidadãs portuguesas: "Some things just 'blow' my mind." Modelos com apitos? A sério? Grande penalidade, pessoas proprietárias.

Nota: também existem trabalhadores sexuais do sexo masculino. E modelos masculinos.

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