Sócrates admite que intercedeu pelo Grupo Lena junto do vice-presidente de Angola

Ex-primeiro-ministro garantiu em entrevista à SIC que apenas o fez por "mera simpatia" e sem "nenhum interesse", remetendo para "diplomacia económica". Assume ainda que foi avisado da investigação pelo director do JN.

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José Sócrates é acusado de ter conduzido Portugal à bancarrota Miguel Manso

O ex-primeiro-ministro José Sócrates admite ter intercedido pelo Grupo Lena junto do vice-presidente de Angola, Manuel Domingos Vicente. “Quanto ao telefonema para o vice-presidente de Angola, é verdade que, já neste último Verão, vários anos depois de ter saído do Governo, num almoço com o meu amigo Carlos Santos Silva e um dos administradores do Grupo Lena, foi-me perguntado e pedido se podia diligenciar para que essa empresa fosse recebida”, conta Sócrates numa entrevista à SIC transmitida na noite desta terça-feira.

O ex-primeiro-ministro explica que apenas o fez com “gosto” e “por mera simpatia” sem “nenhum interesse que não fosse ajudar uma empresa portuguesa, como aliás”, diz, ter feito “com outras”. Defende, porém, nunca ter tomado “qualquer iniciativa, directamente ou através de terceiros, para favorecer as empresas do Grupo Lena” ou do amigo Carlos Santos Silva.

Neste ponto, Sócrates aproveita para explicar que “o projecto do Grupo Lena, de construção de casas na Venezuela, foi integrado no convénio comercial celebrado entre Portugal e a Venezuela em 2010 nos mesmos termos em que o foram outros projectos pendentes de várias empresas”. Sublinha, aliás, que, “como é prática na política de diplomacia económica”, empenhou-se na concretização desse projecto da mesma forma que se empenhou noutros, "sem qualquer discriminação ou favorecimento”.

O contacto terá sido realizado para pedir a atenção do governante angolano para o conglomerado de empresas de construção civil e obras públicas ligado a Santos Silva, que tal como Sócrates, está indiciado por corrupção, fraude fiscal e branqueamento de capitais.

Nesta entrevista, Sócrates admite ainda que ficou a saber que estava a ser investigado através do actual director do Jornal de Notícias, Afonso Camões, então administrador da Agência Lusa. Prefere, contudo, destacar que “o facto mais importante” é a garantia que Afonso Camões plasmou num editorial que as fugas de informação vêm da investigação.

De resto, ao longo da entrevista com 11 perguntas, recapitula o que já dissera nas outras cinco vezes em que falou directamente a órgãos de comunicação social, também por escrito. Volta a explicar, “quanto aos movimentos financeiros alegadamente ‘suspeitos’”, que, de facto, Santos Silva lhe concedeu empréstimos que sempre tencionou pagar, insistindo que essa é a “verdade” e que tal “não constitui crime em lado nenhum do mundo”.

Neste ponto, considerando que não existe qualquer contradição entre, na mesma altura, ter pedido dinheiro ao empresário e ter pedido um empréstimo à Caixa Geral de Depósitos, mostra-se indignado face ao escrutínio a que foi publicamente sujeito no âmbito do seu “dispendioso estilo de vida” em Paris. Considera ainda que o que está em causa é apenas uma “crítica de costumes” e um “julgamento moral” que revela uma “mesquinhez dos que acham um luxo tirar um mestrado em Sciences Po ou ter filhos a estudar numa escola estrangeira”.

Também o Ministério Público, órgão que tutela a investigação, é alvo de críticas. Sócrates acusa-o pelas violações do segredo de justiça para assim, sublinha, conseguir a sua condenação na opinião pública.

“É evidente que a investigação joga com isso e com as fugas selectivas ao segredo de justiça para obter a condenação antes mesmo da sentença”, aponta Sócrates reafirmando que “é cada vez mais claro que neste caso se prendeu para investigar”.

Sócrates lamenta ainda a influência que estas fugas podem ter na opinião pública. “Bem sei que as pessoas tenderão a pensar: se ele está preso é porque alguma coisa deve ter feito”, reconhece.

Por que é decidiu voltar a responder a uma entrevista, que o procurador e o juiz consideram perturbar a investigação? "Era o que mais faltava que eu tivesse de assistir em silêncio à divulgação criminosa de informações manipuladas e objectivamente difamatórias sem fazer nada em defesa da minha honra e do meu bom nome", explica. A  Direcção-Geral de Reinserção e dos Serviços Prisionais disse que a entrevista da SIC não foi pedida nem autorizada.

Preso preventivamente há mais de dois meses, Sócrates queixa-se ainda das notícias. "E não é só a violação do segredo de justiça, são as mentiras: malas de dinheiro que iam para Paris; o milhão descoberto num cofre que nunca foi meu; e agora um fundo que eu teria para ‘esconder’ os imóveis que nunca tive. Tudo invenções e mentiras", elenca o ex-governante que sublinha ainda que a sua detenção “nada teve a ver com justiça, mas com espectáculo”.

Para Sócrates, o que aconteceu foi uma “total precipitação de quem estava tão cego pela sua intenção persecutória ou tão convencido da sua teoria e das suas presunções que avançou sem provas ou sequer fortes indícios de quaisquer crimes”. É ainda óbvio, para o ex-chefe de Governo, que não existe perigo de fuga que sustente a prisão preventiva: “A verdade é que eu voltei, não fugi”.

O ex-governante graceja depois sublinhando acreditar que os magistrados do processo temiam um perigo de fuga relacionado com o “sério risco de ficar uma cadeia vazia no comentário semanal” da RTP. “Senhores telespectadores, esta semana não há comentário. O ex-primeiro-ministro, que costuma estar aqui todos os domingos, fugiu!”, simula troçando do momento.

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