Portugal lança plataforma para fazer exames de oftalmologia à distância

Projecto pretende dar resposta sobretudo a casos de doença aguda, num país onde não há nenhum oftalmologista. Ideia passa por levar plataforma para outras zonas do mundo.

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A plataforma também vai ajudar a preparar as cirurgias que os médicos portugueses vão fazer naquele país Luís Efigénio

Em Portugal está o médico, em São Tomé e Príncipe o doente. O conceito de consultas à distância através da chamada telemedicina não é novo. Mas Portugal vai introduzir nesta quarta-feira uma ferramenta de diagnóstico pioneira que promete “revolucionar a observação e tratamento” de doenças relacionadas com os olhos: chama-se TELEYE e vai permitir que o doente são-tomense, sem sair do seu país, faça os exames necessários. Ao mesmo tempo, um oftalmologista vai vê-los em tempo real a partir de Lisboa, explicou ao PÚBLICO Paulo Telles de Freitas, presidente do Instituto Marquês de Valle Flôr, a fundação e organização não-governamental para o desenvolvimento que lidera o projecto.

A consulta experimental e que marca a inauguração será feita esta quarta-feira pela oftalmologista Ana Almeida a partir das instalações do Instituto Marquês de Valle Flôr, em Lisboa. Mas a ideia é que com apenas um portátil os médicos consigam fazer o acompanhamento em qualquer ponto de Portugal ou do mundo, já que Paulo Telles de Freitas acredita que a ferramenta pode fazer a diferença noutros países sem esta especialidade ou com grandes distâncias a percorrer, como é o caso do Brasil e Austrália. Em São Tomé, onde não existe nenhum oftalmologista, o doente estará no Hospital Dr. Ayres de Menezes, onde um técnico de saúde e um enfermeiro foram formados para conseguir acompanhar a realização dos exames.

O TELEYE consiste numa ferramenta que agrega os seis equipamentos oftalmológicos mais fundamentais para realizar exames: lâmpada de fenda, retinógrafo, auto-refractómetro/keratómetro, tonómetro e câmara de alta definição. As imagens obtidas nos exames em São Tomé são depois transmitidas para o portátil do médico com uma qualidade semelhante à que o clínico teria se tivesse a ver os resultados presencialmente. O equipamento foi desenvolvido com a PT Inovação e co-financiado pela Cooperação Portuguesa, com o apoio da Direcção-Geral da Saúde, da Fundação Calouste Gulbenkian e da Casa Cotta, “uma das empresas mais antigas de equipamentos de oftalmologia, com sede no Porto”, explicou Paulo Telles de Freitas.

“Conseguimos integrar todos os equipamentos que são necessários para fazer uma observação oftalmológica completa e que podem ser operados por um técnico com o oftalmologista à distância. Tudo o que é feito pode ser gravado e guardado no processo clínico, o que permite fazer o seguimento do doente mais tarde. Esta ferramenta permite uma abordagem completa do doente, desde o diagnóstico, a uma abordagem terapêutica precoce”, completou Telles de Freitas. As consultas são mediadas com um equipamento de telemedicina, o Medigraf, também da PT, que integra os exames agora possíveis com o TELEYE.

O Instituto Marquês de Valle Flôr há cinco anos que faz missões de oftalmologia naquele país, integradas no iSEE – Projecto de Prevenção e Tratamento das Doenças Oftalmológicas em São Tomé e Príncipe, com o apoio do Ministério da Saúde local. As missões são coordenadas pelo oftalmologista Luís Pereira e integradas no programa Saúde para Todos, que há 25 anos no terreno tenta melhorar o acesso a cuidados de saúde de várias áreas. Em cada uma das três a quatro visitas anuais que duram duas semanas conseguem fazer 650 consultas e 100 cirurgias. O lançamento coincide com a 16ª missão no terreno, que o presidente do instituto está a acompanhar.

O objectivo com o TELEYE, salienta Telles de Freitas, “não é tanto de aumentar a produtividade”, mas sobretudo dar resposta a casos agudos e permitir planear melhor as visitas, sobretudo os casos cirúrgicos. Para as missões, que vão continuar, a vantagem fundamental está no planeamento e no facto de os médicos poderem chegar ao terreno com mais informação, assim como permite que o doente continue a ser seguido no pós-operatório pelo mesmo médico, mas já à distância. Cataratas, glaucoma, retinopatias, patologia pediátrica e infecciosa são os problemas mais comuns.

“Neste momento há também muita patologia aguda que não é abordada em tempo útil porque não há oftalmologistas no país e provavelmente São Tomé nunca vai ter uma equipa presente. Mais de 80% das causas de cegueira são evitáveis”, acrescenta o também médico, explicando que “ há muitas patologias traumáticas e infecciosas em São Tomé que se forem diagnosticadas precocemente evitam a cegueira ou as alterações graves da acuidade visual. É também o caso do glaucoma, um aumento da pressão dentro do olho, que se for detectado a tempo pode ser tratado com umas gotas dentro dos olhos e, se não responder, o doente pode ser operado e não perder a acuidade visual”.

A ferramenta está a ser testada há mais de seis meses, com Telles de Freitas a destacar as difíceis condições do país. “A vantagem de termos este equipamento em São Tomé e Príncipe é que o estamos a testar no limite, num país com grandes limitações de recursos, quebras de energia e Internet que não tem grande qualidade”, destaca o clínico, que salienta que por isso mesmo o TELEYE está pronto “para qualquer zona do mundo”. “É uma tecnologia acessível, uma nova maneira de abordar a observação em oftalmologia, inovadora, desenvolvida em Portugal, e sustentável porque também reduz as evacuações de doentes”, reiterou, sintetizando que estão a “dar acesso a cuidados de saúde a pessoas que não têm alternativas. Basta haver acesso a oftalmologista e não oftalmologista no local”.

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