Equipa internacional atribui duas esculturas em bronze a Miguel Ângelo

Serão as únicas peças em bronze do génio da Renascença que sobreviveram. Peritos italianos ainda não foram consultados.

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Os dois bronzes de cerca de um metro de altura cada DR
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Pormenor do jovem DR
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Detalhe de um desenho de Miguel Ângelo, de 1503/4, da colecção do Museu Britânico DR
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Pormenor da folha com cópias de esboços de Miguel Ângelo, onde se vê a pantera e um jovem musculado que a monta estavam num canto DR
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Uma Folha de Estudos com a Virgem a Abraçar o Menino DR
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Desenho de Miguel Ângelo que mostra semelhanças com a escultura DR
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Pormenor do trabalho das costas DR
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David, de Miguel Ângelo Paolo Cocco/REUTERS
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A Capela Sistina Paolo Cocco/REUTERS

Dois homens cavalgam duas panteras de braço no ar em sinal de triunfo. Serão as duas únicas esculturas em bronze da autoria do mestre italiano Miguel Ângelo existentes no mundo e foram apresentadas esta segunda-feira por uma equipa multidisciplinar que envolve peritos da Universidade de Cambridge e do Rijksmuseum que, depois de mais de 130 anos de dúvidas, confirmaram a sua autoria. Os resultados finais da investigação só serão apresentados a 6 de Julho, mas se se confirmar esta é uma das mais importantes descobertas da Renascença feitas no século XXI.

Parte de colecções privadas desde 1878, os dois bronzes de cerca de um metro de altura cada foram várias vezes associados a Miguel Ângelo, mas só agora a equipa multidisciplinar que inclui Paul Joannides, professor emérito de História de Arte da Universidade de Cambridge, no Reino Unido, atribuiu a sua autoria ao pintor, escultor e arquitecto italiano. Joannides foi abordado pelo seu proprietário, um coleccionador particular britânico, no Outono de 2014 para que o perito avaliasse as peças. Foi aí que a investigação começou, com o professor de Cambridge a associá-los a Folha de estudos com a Virgem abraçando Jesus (c. 1508), um documento da autoria de um aluno de Miguel Ângelo (1475-1564) que reproduz fielmente vários esboços do mestre florentino.

A sua datação, operada através de testes realizados na Universidade de Oxford, coloca-os no início do século XVI, mais precisamente entre 1506 e 1510, e teve então como pista fundamental a folha de esboços que se encontra no Musée Fabre, em Montpellier. Nela está uma composição com grandes semelhanças com estas peças e o seu tema, pouco usual, dos bacantes, montados em panteras, animais que na mitologia são dedicados a Baco, deus do vinho e do excesso na sua versão romana (na mitologia grega, trata-se de Dionísio). Num dos cantos dessa folha, está uma pantera e um jovem musculado que monta o felino.

Como explicou Joannides à Economist, o desenho tinha o traço vigoroso que Miguel Ângelo empregava quando planeava escultura. As panteras fornecem outra pista, visto que segundo o professor há um conjunto de desenhos associados ao mestre que representavam tigres e panteras que se encontram no Museu Albertina, em Viena.

As peças terão sido feitas, diz o comunicado de imprensa do Museu Fitzwilliam, em Cambridge, logo a seguir a Miguel Ângelo ter acabado o seu famoso David e quando começava o seu trabalho para o tecto da Capela Sistina. Não são um par gémeo, continua o comunicado, uma vez que um dos homens é mais velho (e é representado com barba), embora com uma aparência ágil, enquanto o outro é mais jovem e atlético.

Sabe-se que além das suas conhecidas e magistrais peças em mármore, Miguel Ângelo trabalhou em bronze, mas não restaram quaisquer esculturas em metal da sua autoria – fez um David de bronze para um castelo francês, que se perdeu durante a Revolução Francesa, e uma estátua do Papa Júlio II, que foi derretida em Bolonha durante conflitos para o metal ser usado para a artilharia. Agora, a equipa de historiadores de arte, cientistas e peritos em anatomia assegura que estas duas peças cujo paradeiro foi incerto durante séculos até surgirem, em 1878, na colecção de Adolphe de Rothschild – são conhecidos como os Bronzes Rothschild, assinala o diário britânico Guardian – são mesmo as únicas peças de bronze de Miguel Ângelo do planeta, se a atribuição estiver correcta e for reconhecida.

A partir de terça-feira, estarão expostas no Museu Fitzwilliam, em Cambridge, até 9 de Agosto, depois de um percurso que começa em 1878 com sugestões de que poderiam ser de Miguel Ângelo, mas também de Jacopo Sansovino ou Tiziano Aspetti, como conta o jornal especializado Art Newspaper. A BBC acrescenta que também o holandês Willem Danielsz Van Tetrode foi considerado seu potencial autor, e o Guardian fala ainda de outro escultor famoso, Benvenuto Cellini, a quem terão sido associadas as peças.

Em 1957, saem da posse da família Rothschild – que se pensa que os terá comprado aos reis de Nápoles, os Bourbon – para as mãos de um coleccionador privado francês e só voltam a ser vistas em público em 2002, num leilão da Sotheby’s em Londres. Descritas como sendo da “escola florentina, meados do século XVI”, foram vendidas por 1,5 milhões de euros e chegaram a ser expostas em 2012 na Royal Academy, no âmbito da exposição Bronzes, onde já se arriscava que pertenciam ao “Círculo de Miguel Ângelo”. Actualmente, escreve o Guardian, pertencem a um coleccionador particular britânico, que se quer manter anónimo.

Foram usadas técnicas de termoluminescência para datar as esculturas e os núcleos das peças foram sujeitos a exames de imagiologia para concluir que os métodos de feitura coincidem com as práticas florentinas. Foram também feitos exames raios X e comparadas formas anatómicas e traços das suas representações por Miguel Ângelo, concluindo-se que estas, nomeadamente a forma como representa os corpos musculados e suas torções musculares, a curvatura das costas e os abdominais exacerbados, tinham a precisão e correcção que eram marcas do mestre italiano.

 

 

 

 

Incluir estas figuras no rol de obras de Miguel Ângelo "é uma atribuição perigosa de se fazer", admite Paul Joannides, porque "a cada ano ou par de anos, alguém aparece com uma nova pintura ou escultura atribuída a Miguel Ângelo e 99,99% das vezes são atribuições fantasiosas", explica à Economist. Mas um dos seus argumentos, explica, tem por base exactamente a questão anatómica. Entre os artistas mais reputados à época, só ele e Leonardo da Vinci tinham conhecimentos tão profundos de anatomia como aqueles reproduzidos nestas peças. "Na verdade na altura não havia mais ninguém que fosse, de alguma forma, um candidato alternativo plausível", diz Joannides. 

E Peter Abrahams, professor de Anatomia Clínica na Faculdade de Medicina da Warwick University, que integrou esta equipa, diz que os detalhes da musculatura são como os de David. O Guardian alude ainda às semelhanças entre estes nus e aqueles que se encontram representados na Capela Sistina, no Vaticano. "Até um tendão peroneal é visível, bem como o arco transverso do pé", sublinha Abrahams no livro que detalha a investigação e que acompanha a divulgação dos bronzes.

 

 

 

 

 

 

A equipa, que só apresentará as suas conclusões finais em Julho, é formada por Joannides, de Cambridge, Victoria Avery, conservadora de artes aplicadas no Museu Fitzwilliam, Robert van Langh e Arie Pappot, peritos de conservação do Rijksmuseum, e Peter Abrahams, da Warwick University. Participaram também na investigação o historiador de arte Charles Avery, o comerciante de arte Andrew Butterfield e o crítico Martin Gayford. Segundo Joannides, apesar de a equipa ser internacional, ainda não foram consultados quaisquer peritos italianos.
 

 

 

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