A Ciência e a falsa ciência

1. O confronto entre medicinas que saudei em 16/11 do ano passado afinal não existiu, nada de diálogo científico do lado ‘ciência’ em relação ao outro lado, o testemunho digno de Paulo Varela Gomes e o depoimento da professora da Faculdade de Medicina da Nova Telma Gonçalves Pereira sobre a prática homeopática, nomeadamente sobre a existência de uma pediatria e de uma veterinária homeopáticas que refutam a acusação de ser apenas um efeito de placebo. Com efeito, tratou-se de denegrir uma prática terapêutica com dois séculos de existência, tratando-a sob a forma de slogan, ‘é só água e açúcar’, como uma ‘falsa ciência’ a que, por consequência, se negam efeitos terapêuticos. Dogmaticamente. O que parece certo é que a homeopatia, ao contrário da vacinação, sua prima pelo princípio da semelhança, não teve até agora sucesso nas tentativas laboratoriais da medicina molecular, donde não ser tida como ‘ciência’ por ela; mas isso significa antes de mais uma incompatibilidade ‘experimental’, como a que creio existir, m

2. O que escandaliza o filósofo é a maneira não científica de abordar a questão. Embora talvez por nenhum dos contendores serem médicos, impressiona a inexistência de qualquer preocupação com os eventuais efeitos curativos da homeopatia: não só não lhes interessa, como negam que sejam devidos à medicamentação; não se pode argumentar dum só caso, dizem, mas sem pensarem nos outros milhares que há, que pode haver, que um cientista a sério ponderará como pondo problema, ainda que não seja ciência; aqui, isso fica excluído, é uma ‘falsa’ ciência. Darei um exemplo noutra área que é belíssimo, contado no livro L’influence qui guérit (a influência que cura) do psiquiatra Tobie Nathan (1994, Odile Jacob), confrontado com problemas mentais da sua clientela emigrante africana nos subúrbios de Paris. A teoria psicanalítica não mostrando eficácia nenhuma nesses casos, além de ter auxiliares indígenas a ajudarem-no a compreender as antropologias em causa, foi visitar curandeiros nos países dos seus doentes, aprender-lhes os mitos e os rituais, para vir em seguida utilizar esses rituais, médico e curandeiro, e conseguir as curas que procurava. Isto é que é um cientista que, encontrando limites da sua disciplina, vai além deles, busca compreender o que é curar.

3. Voltemos à homeopatia. Não tendo competência (mas vi uma familiar que começava a perder cabelo largar as injecções sem efeito dum dermatologista por uma homeopatia que lhe recuperou o cabelo em poucos meses), citarei quem a tenha na polémica que existe e que vá além de slogans roçando o fundamentalismo. No prefácio ao livro de Jacques Poncet, Homeopatia pediátrica, o médico J. Jouanny[1] fala da invenção da homeopatia como primeira medicina experimental (antes de Cl. Bernard!) no início do século XIX e diz como o livro de Poncet consegue desvencilhá-la da ganga de explicações sobre as causas das doenças, hipóteses filosóficas nunca verificadas, que a envolveu após a morte do inventor, o alemão Samuel Hahnemann (1755-1843). Este definiu a homeopatia como um método terapêutico cuja medicamentação é uma substância susceptível de criar num indivíduo são um sofrimento (pathos) semelhante (homeo). Três condições: conhecer os sintomas experimentais, tóxicos ou farmacológicos, das substâncias vegetais, animais ou minerais; compreender o conjunto das mudanças na maneira de sentir ou de agir do doente devido à sua doença; usar doses fracas ou infinitesimais para estimular as defesas do indivíduo sem lhe agravar os sintomas[2].

4. A correlação entre a medicina molecular e a homeopatia conheceu uma viragem com a proposta em 1988 do médico francês J. Benveniste: a questão de ser a água que guarda a memória da substância homeopática desaparecida na dissolução, o que o Nobel de Medicina (2008) Luc Montagnier recentemente disse consistir na única explicação para fenómenos que ele próprio encontrou (“J. Benveniste”, Wikipédia). Outro Nobel, inglês de física (1973), Brian Josephson, acolhe a proposta de Benveniste em 1997, dada a diferença da estrutura da água enquanto líquido[3].

Filósofo

 

 

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