A Grécia não é Portugal e o PS não é o Syriza

Novo governo grego inspira bancadas à esquerda e deixa direita cautelosa.

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Redução do tempo de trabalho é discutida nesta quarta-feira no Parlamento. Rui Gaudêncio

No dia seguinte ao Syriza assumir o poder na Grécia e colocar na agenda a renegociação da dívida, as bancadas mais à esquerda mostraram que se inspiram nesses ventos de mudança para condenar a resistência do Governo português em apoiar as novas exigências de Atenas. À direita, o PSD questiona como é que o Syriza vai conciliar as suas promessas com os compromissos assumidos anteriormente com Bruxelas, enquanto o CDS mostrou ser ainda mais cauteloso sobre este jogo de forças.

A reacção do primeiro-ministro às propostas do Syriza – chamando-lhes um “conto para crianças” – mereceu a repulsa da oposição nas primeiras declarações políticas em plenário após a vitória daquele partido nas legislativas gregas e a tomada de posse do Governo.

Na primeira declaração política, que coube ao PCP, o deputado António Filipe sustentou que a “renegociação da dívida é uma exigência incontornável” e que “persistir na sua negação é insistir na política que tem conduzido Portugal à situação dramática em que se encontra”. Defendendo que os gregos derrotaram a austeridade nas urnas e que os portugueses “terão a oportunidade de o fazer em breve”, António Filipe criticou a reacção de Passos Coelho aos resultados das eleições na Grécia por demonstrar “o desprezo pela vontade popular” e expressar preocupação, por ser uma “antevisão” da sua derrota.

O PSD, através de Miguel Santos, alertou para a colagem da oposição ao Syriza e para a situação que considera poder vir a transformar-se numa “tragédia grega”. E questionou: “Como é que [o novo Governo] não vai defraudar as expectativas e não comprometer o futuro da Grécia, como é que vão cumprir as promessas eleitorais e a solução de 5 minutos que o resto do mundo não encontrou?”.

As bancadas da maioria, curiosamente, juntaram ainda um outro argumento contra o novo governo liderado por Alex Tsipras – o de não ter mulheres como ministras  –, tentando arrastar a discussão para a igualdade de género. Sobre as exigências do Syriza ou eventuais cedências de Bruxelas, Nuno Magalhães, líder da bancada do CDS, não se pronunciou, sublinhando apenas as diferenças entre Portugal e a Grécia.

O PS veio ajustar a sua reacção aos resultados das eleições gregas, que esmagaram o seu homólogo PASOK. “Na Grécia, os nossos parceiros não são o Syriza, é outro partido. E não é por ter tido um mau resultado que deixamos de dar as nossas saudações”, esclareceu o deputado Vitalino Canas, depois de o líder do PS não se ter pronunciado sobre a pesada derrota eleitoral do PASOK no passado domingo. A vitória do Syriza, sublinhou Vitalino Canas, é mais uma demonstração de que na Europa se pretende mudança”, mas não é a única, apontando os exemplos de França e Itália.

Os socialistas descolaram do Syriza, mas essa tese havia de ser contrariada pela deputada e vice-presidente do PSD, Teresa Leal Coelho. “O que nos separa das circunstâncias da Grécia é o facto de não termos feito o que o PS queria para Portugal, durante o período de assistência financeira”, defendeu, acrescentando que foi assim que o país “virou a página”, a expressão usada por Alex Tsipras na noite eleitoral.

Um outro deputado socialista, Vieira da Silva, veio dar mais uma achega na questão da Grécia, numa declaração política em que criticou a posição do governo português face à operação lançada pelo Banco Central Europeu. Com cautela e sem falar em renegociação da dívida, o ex-ministro da Segurança Social defendeu que “é tempo de abandonar a ladainha de que Portugal não é a Grécia” e que “muitos dos problemas da Grécia são também de Portugal e as soluções que se venham a encontrar são também do “interesse” nacional. Soluções essas que não podem ser “bilaterais, mas têm de ser do euro e da União Monetária”.

Pelo Bloco de Esquerda foi a própria coordenadora Catarina Martins que veio amplificar o resultado das eleições gregas como o “triunfo da esperança” e “um sinal para toda a Europa”. E contrariou o argumento de que a Grécia tem de cumprir os compromissos já assumidos: “Mas, e pelo falhanço estrondoso do programa da troika, ninguém assume responsabilidades?”

Defendendo que as “vozes da Europa começam a mudar” (e referindo o exemplo irlandês), Catarina Martins sustentou que “a Europa tem de aproveitar a oportunidade entreaberta pela vitória do Syriza” e “colocar um ponto final na austeridade”. E deixou uma pergunta que ficou sem resposta no hemiciclo: “O governo português vai continuar a comportar-se como um delegado comercial de Berlim ou vai aproveitar os sinais de mudança para defender os cidadãos portugueses fustigados por anos e anos de austeridade, desemprego, emigração?”.

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