"O consenso é uma arma contra a democracia"

Cristina Martín Jiménez, que lançou agora em Portugal o seu livro O Clube Secreto dos Poderosos — Os planos ocultos de Bilderberg, diz que a crise das dívidas soberanas foi fabricada.

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Cristina Jiménez já publicou quatro livros sobre o Clube Bilderberg João Silva

Ao fim de 10 anos a investigar o Clube Bilderberg, a jornalista espanhola Cristina Martín Jiménez lança o seu quarto livro sobre o assunto. A sua tese é agora que a crise das dívidas soberanas e a sua solução — o resgate das economias reais — foram forjadas nesse clube restrito que junta os políticos e empresários mais poderosos do mundo. Polticamente incorrecta, avisa para o outro lado da moeda: "O consenso é uma repartição do poder e, como tal, uma arma contra a democracia".

Defende neste último livro que a crise desencadeada depois da falência do Lehman Brothers, em 2008, foi provocada por Bilderberg. Porquê?
Aí foi quando se anunciou a crise. Mas tinha havido uma reunião de Bilderberg em 2006, no Canadá, onde o então presidente da Reserva Federal Norte-americana — que mais tarde passa a ser o secretário do Tesouro de Obama — disse que ia haver uma crise, que iam subir as hipotecas e que muita gente ia perder a sua casa. Disse também que os mais vulneráveis iam ser os jovens e as pessoas que não tinham um trabalho fixo. Em meados de Setembro de 2008 cai o Lehman Brothers e 15 dias depois aparece a solução: o resgate. Começa a propaganda: vamos resgatar as economias reais.

Não os bancos.
(risos) Nacionalizaram os bancos e são os contribuintes que pagam. É parte da engenharia financeira que tinham previsto. Com a crise, surge uma entidade a governar os países que nem sequer aparece no Tratado de Lisboa: a troika. E à frente das três instituições da troika há três Bilderberg. Os países mais atacados são os do Sul, onde dentro do tecido político há gente muito corrupta, e por isso são mais vulneráveis. E logo aparecem fundos de investimento estrangeiros a comprar as grandes empresas que, com a crise, ficaram em saldo. Ocorreu em Espanha, em Portugal, na Itália: as grandes empresas foram compradas por fundos de investimento que sabiam o que ia acontecer na Europa.

Mas os chineses também vieram comprar algumas empresas, nomeadamente em Portugal, e não estão em Bilderberg, seguramente.
Claro, Bilderberg pretende controlar o mundo, mas ainda não consegue. Mas estão atentos aos chineses. Na reunião de Sintra, em 1999, falou-se muito da ascensão da China, e o objectivo era que o gigante asiático se juntasse a eles. Mas a China é um país muito poderoso, como também é a Rússia de Putin, e não se deixam dominar.

Muita gente pensa que o Clube Bilderberg não passa de uma teoria da conspiração. Porque acha que não o é?
Primeiro, pelo que significa conspiração. A palavra está muito degradada nos meios de comunicação. Conspiração significa respirar juntos. Desde o assassinato de Júlio César temos, dentro do poder político e da economia, alguém que tem poder, quer mais poder e conspira para o conseguir. O que acontece é que fizemos uma investigação que demonstra que há uma campainha que toca quando há uma reunião anual que concentra a elite política, económica, militar, dos meios de comunicação. O que se passa lá? Isso não sabemos. Mas o jornalista tem de estar atento ao que se passa no poder.

Bilderberg não é a única reunião secreta de onde não saem informações públicas, onde não se revelam as suas conclusões.
Não é a única, mas é mais chamativa pela sua natureza. Porque reúne a aristocracia europeia, os reis, os chefes de Estado democraticamente eleitos, e que se reúnem com os donos das multinacionais, com a NATO, com o FMI, com o Banco Mundial, com a ONU, com os que estão a fazer a política no mundo. Algo se passa ali.

Diz no seu livro que Bilderberg é uma aliança entre a aristocracia católica, os judeus e os maçons. Onde estão os judeus e os maçons?
Os judeus estão na banca e têm uma cabeça privilegiada para regular a finança mundial. David Rockefeller, Henri Kissinger e outros são de origem e orientação judia. Há políticos maçons, como Valérie Giscard d’Estaing, promotor da Constituição europeia, Barack Obama.

Obama vai todos os anos a Bilderberg?
Não, Obama é como um peão. Foi apresentado em Bilderberg em 2008, antes da sua eleição como Presidente dos Estados Unidos. A convenção é como uma boda, como a festa onde se vai falar, negociar, trabalhar. Há um trabalho prévio. E há católicos, como Mario Monti, membro do comité directivo de Bilderberg. Aí se vê como Bilderberg manobrou toda esta crise, antes e durante a crise, quando em Itália, no auge da crise, se nomeia Mario Monti primeiro-ministro italiano, desde a União Europeia, também controlada por Bilderberg, e ele sendo membro do comité directivo de Bilderberg. Há uma relação directa. Obviamente que se trata de um catolicismo hipócrita, não é o catolicismo da rua, das pessoas. É o catolicismo do poder, veja-se a monarquia espanhola...

Mas acha que junta maçons e Opus Dei debaixo da mesma cúpula?
Há uma coisa que quero diferenciar: os católicos foram proibidos de ser maçons porque são duas ideologias que se enfrentam. A maçonaria moderna surge contra o poder estabelecido, a monarquia e a Igreja. São inimigos, mas, claro, são aliados quando lhes interessa. E não há nada mais interessante do que o negócio e o controlo do mundo.

Considera que o objectivo de Bilderberg é criar um governo mundial. Onde está a liderança, na Europa ou nos Estados Unidos?
É mais forte o poder norte-americano. A alma do Clube é David Rockefeller, que internamente foi premiado com a medalha de planeamento de um mundo feliz. Mas esse governo mundial está lançado de forma propagandística e durante a crise estive atenta a mensagens que vinham da União Europeia e de Bilderberg, que à maioria da população passaram desapercebidas, com tanto ruído em torno do medo e da crise. Essas mensagens apontavam para que a solução estava no governo mundial.

O Banco Central Europeu (BCE) aprovou um programa bilionário de compra de dívida pública, e isso aconteceu quatro dias antes das eleições na Grécia. Acha há uma relação entre os dois factos?
Está a ver-se que, além de política, faz-se marketing emocional. Ainda há pouco tempo o Fundo Monetário Internacional (FMI) estava a ameaçar os gregos para não votar em tal partido porque o país iria entrar em colapso. E dias antes das eleições é anunciado um programa que vai acabar por beneficiar a Grécia. É clara a pressão que Bilderberg, através do FMI e do BCE, está exercer sobre a soberania e a livre eleição de um país.

A verdade é que o mundo ocidental está muito ameaçado por muitos focos de conflito e de guerra. Não é importante que haja alguma união dos países para enfrentar ameaças como o terrorismo?
É o que eu chamo no livro Terceira Guerra Mundial, e que um ano depois de o ter publicado também o disse o Papa. Recordo que, após a última reunião de Bilderberg, na Dinamarca em 2014, eu disse que era a reunião mais bélica que tinha encontrado em dez anos de investigação. A presença militar foi muito forte, estava o comandante norte-americano da força aliada, foram convidados os ministros dos Negócios Estrangeiros, os serviços secretos, e da agenda constava a coordenação dos serviços secretos ocidentais. Havia realmente sinais de guerra. Dez dias depois apareceu de novo um foco de guerra entre Israel e Palestina e 15 dias depois apareceu o ISIS.

Acha que o próprio Ocidente está a provocar esses focos de terrorismo islâmico?
A ideia da Maçonaria é que não há outra maneira de controlar o mundo senão através da guerra. E vêem a guerra como um negócio.

Mas essas ameaças existem realmente!
O que eles fazem é incrementar o ódio que já existe. A guerra do Islão contra o Ocidente nunca acabou. O Islão quer recuperar El Andaluz, como o disse o rei da Arábia Saudita. Eles não gostam da nossa cultura, do papel das mulheres, das nossas liberdades, a começar com a liberdade de expressão. Essa é uma guerra bíblica que nunca terminou.

Mas não acha que, perante essas ameaças, que são reais, o Ocidente pode aceitar um governo mundial para dar segurança perante o inimigo?
O que Bilderberg quer é dominar todo o planeta, não apenas o Ocidente. Há negociações com a China e com os países árabes e a sede dessas negociações é a ONU. A ONU é uma tentativa de governo mundial. A primeira tentativa foi feita após a I Guerra Mundial, com a Sociedade das Nações. Depois com a ONU e agora está, como disse Javier Solana, na Europa, que se converteu num laboratório. É possível que tenha a existir uma nova ONU, aperfeiçoada, que seria um governo mundial, que resolveria tudo e à luz do qual todas as religiões são iguais. Mas não são iguais. Há religiões com cultura da vida e outras com cultura da morte. E há políticas que defendem a vida e outras que apontam para a morte.

Como por exemplo?
No auge da austeridade, Christine Lagarde disse que era preciso baixar as pensões porque as pessoas vivem demasiado tempo. O ministro da Economia japonês disse que os japoneses mais velhos tinham de morrer mais cedo, porque implicavam muitos gastos. Isso é uma cultura de morte. As questões demográficas são tratadas com muita atenção, porque há a ideia de que a demografia impede o desenvolvimento.

No seu livro critica muito a ideia de consenso, dizendo que é através dele que se quer dominar o mundo. O consenso não é uma coisa boa?
O consenso, o compromisso é uma repartição do poder. É uma arma contra a liberdade e a democracia. É uma palavra-chave de Bilderberg, segredo e consenso. Com consenso não há democracia, não há confronto de ideias, não há alternativa. É a ditadura do pensamento único.

Diz no seu livro que Durão Barroso é um poderoso Bilderberg. Agora que Barroso deixou a presidência da União Europeia, o que acha que vai fazer a seguir?
Pode ir para a comissão trilateral, que é um triângulo de relações económicas e políticas entre o Japão, a Europa e os Estados Unidos, outro braço de Bilderberg, onde acabou Jean-Claude Trichet com um cargo muito relevante. Pode ir para a ONU, são lugares onde cabia muito bem um curriculum como o seu e a subordinação ao poder como a sua (risos).

Que aviso faria hoje aos europeus perante toda esta teoria conspirativa relativa à crise, à austeridade e aos programas de resgate?
A mensagem de que o jornalismo tem um sentido, ganhámos muito crédito com a crise, apesar de grandes meios de comunicação como a Prisa em Espanha e a Impresa em Portugal estarem em Bilderberg. Que abram os olhos e vejam que nem todos os políticos são iguais, nem todos os jornalistas são iguais, nem todos os meios de comunicação são iguais, que também em Portugal têm de ver a importância das eleições, sobretudo as europeias, em que a participação é muito pequena, tal como em Espanha. Há decisões muito importantes que estão a ser tomadas na Europa, estão a tomar a nossa soberania e nós não estamos a dar-nos conta. Estamos a dispersar-nos, não nos estamos a concentrar no essencial. Não nos deixemos iludir com pão e circo, como em Roma. Para construir a democracia, temos de a defender. A democracia não é um presente, não nos é dada, temos de lutar por ela. Temos de envolver-nos. Na educação, no jornalismo e na honradez, que é o contrário da corrupção.

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