Ricardo Figueiroa: o designer que está a mudar o futuro

Poucos sabem que o portal interactivo da Ideo que nos dá um vislumbre do futuro da mobilidade automóvel tem o dedo de um português. Tal como a nova garrafa da Sprite. E um dos discos externos mais vendido do mundo. Eis Ricardo Figueiroa

Carros autónomos, que reconhecem o condutor a metros de distância, consultam a sua agenda para o dia, escolhem estradas alternativas consoante o trânsito e que, rapidamente, podem ganhar uma mesa e bancos rotativos, para trabalho ou lazer. Veículos de entrega de encomendas sem condutor, que percorrem a cidade nas horas de menor tráfego sem nunca se esquecerem de nos dizer onde estão (para prevenir atrasos ou receber mais mercadorias). Escritórios sobre rodas, perfeitos para empreendedores esporádicos, que se instalam em zonas abandonadas das cidades num dia e junto ao mar no outro, com superfícies interactivas por todo o lado.

Tudo isto está no popular portal interactivo que a prestigiada Ideo lançou em Novembro e que causou um burburinho por meia internet. É que esta possível visão do futuro da mobilidade automóvel é tudo menos consensual. "É uma provocação", naturaliza Ricardo Figueiroa, o jovem designer industrial português que está do outro lado do mundo onde o futuro acontece — Silicon Valley, São Francisco — a trocar as voltas ao presente, neste e noutros projectos da empresa norte-americana de design e consultoria.

Soa a sonho. Mas será mesmo? Há umas semanas teve lugar em Las Vegas mais uma edição da Consumer Electronic Show (CES), que mais não é senão o maior evento de tecnologia de consumo do mundo. A propósito, escrevia-se no PÚBLICO que, mais do que produtos, o que as grandes marcas tentaram vender foi "um conceito: um mundo futurista em que todos os equipamentos (do fogão ao automóvel) estão ligados à Internet, podem ser controlados à distância, comunicam entre si e são dotados de alguma inteligência artificial".

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O conceito WorkonWheels DR

Afinal, talvez este mundo que Ricardo conceptualizou não seja tão futurista assim. No portal, antes da “experiência” propriamente dita, o preâmbulo contextualiza-nos: no futuro muito pode mudar — recursos naturais, capacidade tecnológica — mas as nossas necessidades básicas vão, muito provavelmente, manter-se as mesmas. Os humanos vão continuar a precisar de dormir, comer, trabalhar e deslocar-se de um sítio para o outro. O exercício é esse: “O que vai acontecer em termos de mobilidade nos próximos 15 anos?”

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Cody, o veículo de entrega de encomendas DR

Em 2040, 75% dos carros vão ser autónomos

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O carro autónomo que torna produtivo o tempo morto no trânsito DR

Enquanto director de arte do projecto “The future of automobility”, coube a Ricardo dar uma imagem às diferentes ideias que Danny Stillion, director de design executivo, foi recolhendo ao longo de vários anos a trabalhar na área automóvel. “O meu trabalho foi visualizá-las de uma forma que fizesse as pessoas sentir algo.” Sintetizou então as 22 propostas distribuídas por um Google Doc em três conceitos, três "concept cars": um veículo que faz o trajecto casa-trabalho, outro que se dedica à entrega de encomendas e, o mais “polarizante”, uma espécie de escritório ambulante.

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O disco My Passport da Western Digital DR

No primeiro, o conceito passa por aproveitar o tempo morto no trajecto de carro para o trabalho. A cada “scroll”, um mundo novo à espreita a bordo de um carro autónomo. Por exemplo, para Shelia trabalhar durante o trajecto, pode deixar-se guiar pelo seu próprio carro ou conectá-lo a outro através da tecnologia de “platooning”; deste modo, um outro condutor, que está a fazer o mesmo caminho, será o líder do pelotão, guiando os carros que solicitem uma ligação a troco de um pagamento mínimo. E como podemos confiar num estranho? “Estamos a imaginar que pode ser um serviço de recomendações”, explica Ricardo. No computador de bordo, surge o perfil da pessoa, o número de vezes que fez determinado percurso, a avaliação de outros viajantes como nós. Se tudo estiver nos conformes, os carros seguem em marcha devidamente sinalizados, poupando gasolina, aliviando o tráfego e ocupando apenas uma faixa.

O antes e depois da garrafa da Sprite

Ao longo do "scroll", somos confrontados com previsões: em 15 anos, será comum ver veículos autónomos nas estradas da Europa e EUA; em 2040, 75% dos automóveis nas estradas vão guiar-se sozinhos. "É altamente provável que este primeiro cenário aconteça num futuro próximo. A probabilidade vai diminuindo à medida que avançamos na ‘timeline’”, diz Ricardo.

Falar sobre o futuro da mobilidade

Ricardo Figueiroa fala do projecto para mudar a garrafa da Sprite

Avancemos então. No segundo nível conhecemos Cody, uma “mula do século XXI” (em inglês soa melhor: “21st century mule”), uma espécie de cápsula transparente com rodas e um braço mecânico para reorganizar o espaço, que entrega e recebe encomendas sozinha, sem necessitar de um condutor, evitando as horas de ponta. “Anda à volta do teu horário, em vez de seres tu a andar à volta do horário da entrega.”

O futuro dos veículos de mercadorias não passa pelos drones? Para Ricardo não.

E, por fim, o conceito de “trabalho sobre rodas” (“WorkOnWheels”), um escritório temporário que surge para responder às necessidades das gerações mais jovens. “Esta ideia de trabalhar para uma empresa a vida inteira já não existe muito. Ainda mais em Silicon Valley. Os ‘millennials’ hoje não trabalham apenas numa coisa, trabalham em várias.” Como o próprio Ricardo que, com uns amigos, criou a aplicação Guest’d, perfeita para gerir uma “mailing-list”. Quando um grupo, como o deles, se tiver de juntar para trabalhar num projecto específico, pode assim solicitar um destes veículos, fixando o seu escritório temporariamente em zonas onde o custo imobiliário é mais baixo. "Como a composição é modular, podem ser acoplados outros espaços: um café ou outros gabinetes.

Ressalve-se que estamos no campo das ideias. Para a Ideo, este projecto, tem, entre outras, uma função de "marketing": “Queremos mostrar um ponto de vista, é uma forma de manter os designers dentro da empresa satisfeitos — toda a gente gosta de imaginar o futuro” — e é uma maneira de comunicar ao mundo que a nossa empresa tem interesse em trabalhar com parceiros nesta área.” E de levantar a discussão: “Não é tanto um ‘isto vai acontecer’, é lançar uma provocação. A ideia não é apontar uma solução, é contribuir para um diálogo.”

O aluno que reprovou mudou a Sprite

Atenção que o trabalho de Ricardo não se restringe à futurologia automóvel – muito pelo contrário. “Isto foi um exercício de design diferente do que eu faço e do que a Ideo faz; 95% do tempo estamos a resolver problemas reais”, evidencia a meio de um café no Porto, cidade onde nasceu. Grande parte dos projectos de que se ocupa não são tornados públicos, já que se tratam de serviços de consultoria para empresas. Mas, dos que se podem falar, há dois de que se orgulha em especial: o disco externo “My Passport” da Western Digital´, “o hard drive mais vendido do mundo”, e a nova garrafa da Sprite, que ainda não chegou a Portugal, cujo design já não mudava há 30 anos (Escuta o som à esquerda para saberes mais sobre o projecto). 

E pensar que chegou a reprovar no primeiro ano do curso na ESAD, em Matosinhos, onde estudou Design de Produto. “Andava distraído”, diz, entre risos. Trabalhar na Ideo era o seu objectivo final, mas conseguiu concretizá-lo antes do que esperava. Ainda na faculdade, venceu um concurso de design, em que uma parte do prémio correspondia a um estágio na Seat, em Barcelona. Ainda lá estava, em 2006, quando uma outra empresa norte-americana lhe enviou uma proposta de trabalho. “E eu nem estava a pensar em ir para os EUA.” Pensou que não tinha nada a perder, que se calhar não precisava de esperar que o seu portefólio “fosse maduro o suficiente” para se candidatar à Ideo. Enviou um e-mail tendo em vista os escritórios da Europa; responderam-lhe se estaria disponível em ir para a Califórnia, assim que os vistos estivessem disponíveis.

Isto foi há oito anos. Hoje, com 33 anos, casado há ano e meio (a esposa, que conheceu em São Francisco, é filha de pai japonês e mãe portuguesa), entusiasma-se a falar de São Francisco, um local “onde as tendências são criadas”. “Sinto-me bem por estar num sítio a contribuir para essas novas ideias.” E entusiasma-se a falar da Ideo (e do seu famoso “Human-Centered Design”), uma empresa “completamente multidisciplinar” em que se trabalha num projecto de cada vez, em que reina uma “cultura de extremo optimismo”, em que “às vezes até é difícil ter um ‘feedback’ honesto”, em que o utilizador final “está no centro de tudo”. “A atitude é fazer crescer talento e apoiar”. Lema: “Quanto mais falhares mais cedo, melhor”.

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