Inês Braga é “uma das melhores de sempre”, mas continua no anonimato

Profissional de polo aquático desde 2007, a portuense brilha em Itália, num dos campeonatos mais competitivos da Europa. A fraca projecção da modalidade em Portugal ajuda a perceber por que razão poucos ouvem falar dela.

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Fernando Veludo/NFactos

Seis títulos de campeã nacional, dezenas de internacionalizações, passagens pelos campeonatos espanhol, francês e italiano (onde joga actualmente) e o feito de alcançar a profissionalização numa modalidade em que poucos a julgavam possível. O currículo, a transbordar de êxitos, não basta para fazer Inês Braga entrar na galeria de famosos, ou não fosse o pólo aquático um desporto de diminuta projecção em Portugal, mas quem lhe segue os passos desde cedo não tem dúvidas de que se trata de um “caso à parte”.

“A dedicação dela ao pólo é algo ímpar. É isso que faz dela uma das melhores de sempre em Portugal”, garante Miguel Pires, seleccionador da equipa feminina nacional e director técnico nacional da modalidade, ele que a conheceu há quase 15 anos, quando a treinou no Clube Fluvial Portuense. Desse tempo, recorda um episódio que considera revelador. “Estávamos na Liga dos Campeões e definimos como objectivo passar aos oitavos-de-final. A Inês levou aquilo tão a sério que, apesar de na altura estar a estudar ao mesmo tempo, fazia dois treinos diários. Isso contagiou as companheiras de tal forma que chegámos aos quartos-de-final”, contou ao PÚBLICO.

O empenho da ponta-direita, hoje a mais internacional de sempre na história da modalidade (em Portugal), estava longe de se esgotar por ali. Daí que tenha sido a primeira, e durante largos anos a única, jogadora portuguesa profissional de polo aquático — um “estatuto” que só no início desta temporada começou a repartir com outra colega de selecção. Mas desengane-se quem pensa que a história feliz entre Inês Braga, natural do Porto, e o pólo foi um caso de amor à primeira vista. “O meu pai tinha um amigo que estava ligado à modalidade e, quando eu tinha 13 anos, disse-lhe para eu ir experimentar porque precisavam de gente. Só que fui uma semana e não gostei nada daquilo, vim-me embora, até porque nem nadar sabia. Não me afogava, mas não avançava, nadava para trás”, recorda.

A persistência fê-la voltar a tentar e não tardou a dar largas ao talento que lhe falhou no primeiro ensaio. Um ano depois, era chamada a integrar as camadas jovens da selecção nacional — defendia então as cores do CDUP (Centro de Desporto da Universidade do Porto). Depois de uma passagem pelo Estrela Vigorosa Sport, a internacional portuguesa mudar-se-ia para o Clube Fluvial Portuense, onde começou a escrever as páginas mais bem-sucedidas do seu percurso, ou não tivesse sido seis vezes campeã nacional com este emblema e erguido a Taça de Portugal por cinco vezes.

Nancy estendeu-lhe o tapete
O desempenho impressionava de tal forma que, num torneio entre selecções, o responsável pelo conjunto francês, que orientava também o Nancy, da primeira divisão, a convenceu a aventurar-se no estrangeiro, com as despesas pagas e um pocket money de cerca de 500 euros, mais prémios de jogo. Ao fim de um ano, regressou a Portugal, e ao Fluvial, para conciliar o pólo com um curso de gestão de marketing, mas depressa voltaria a emigrar (2007), tendo ajudado o espanhol Dos Hermanas a subir à primeira divisão e, posteriormente, regressado ao Nancy, onde seria promovida a capitã, apesar de ser a única estrangeira da equipa.

Em Agosto de 2013, abre-se uma nova porta: ingressa no Prato Cavaliere, uma equipa recém-promovida ao principal campeonato italiano, um dos mais competitivos da Europa. “Lá todas sonham chegar à selecção e para isso têm de trabalhar muito. Por isso, mesmo quando o primeiro joga contra o último, nunca se sabe quem vai ganhar. É um campeonato muito discutido”, salienta. Apesar de “novato” no primeiro escalão, o Prato não só se manteve entre a elite como elevou a fasquia para a presente temporada. “Temos aspirações de ficar entre as quatro primeiras. Temos a melhor guarda-redes do mundo e duas jogadoras da selecção italiana. É uma equipa muito jovem, mas com grandes expectativas”, conta.

À imagem do futebol, o facto de ter 30 anos obriga-a a começar a pensar em pendurar… o fato de banho? “Em Itália, há duas jogadoras que foram campeãs no ano passado e que têm 38 e 40 anos, por exemplo. O pólo aquático pode ser jogado até essa idade; é preciso é que o corpo permita. E, no meu caso, até o treinador diz que ainda estou a evoluir fisicamente, mesmo em termos de velocidade”, assegura.

Ainda assim, admite que se trata de um desporto algo “ingrato”, na medida em que “são precisas muitas horas de treino para ser um desporto bonito”. “A partir do momento em que não há condição física, baixa muito a qualidade de jogo”, justifica. É para que tal não aconteça que, além dos jogos, do tempo que passa no ginásio e de um part-time que tem numa empresa de transportes, se treina perto de 16 horas semanais, até porque não se pode gabar de ter o mesmo poderio físico de muitas das adversárias que defronta. “Não sou muito alta, não sou muito pesada, elas são todas enormes. Eu compenso na capacidade de reacção e na visão de jogo”, descreve.

O campeonato português pode um dia chegar ao nível do italiano? “Acho muito difícil”, responde, pragmática. Mas mostra-se mais optimista quanto à possibilidade de Portugal disputar, finalmente, um campeonato da Europa A [ver texto ao lado]: “Nós temos técnica para conseguir chegar lá, é mais uma questão física. É preciso treinar muito.”

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