“O Mundo de Fora”, de Jorge Franco

“O Mundo de Fora” é mais do que uma boa história. A densidade literária da obra deve muito ao confronto entre opostos

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Dennis Grailich/Flickr
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Jorge Franco (n. Medellín; 1962), de quem Gabriel Garcia Márquez afirmou ser um autor a quem gostaria de passar o testemunho, venceu com “O Mundo de Fora” o Prémio Alfaguara de Romance, em 2014.

“O Mundo de Fora” (Alfaguara) começa em tons doces e melancólicos e evolui até ao violento e trágico.

Dom Diego, em viagens europeias patrocinadas pela sua fortuna, conhece a alemã Dita, numa Berlim ainda nazi. A ela viria a declarar-se, abandonando uma vida de libertinagem. O seu amor por Dita viria a transformá-lo num homem mais tolerante, mas também mais medroso. Assim que decidem formar família (Dita é contra o casamento), Dom Diego manda construir uma cópia do castelo Rochefoucauld, em Medellín. Esse castelo é um casulo que defende a sua mulher e, posteriormente a filha Isolda, da corrupção exterior. No entanto, de nada valerá o isolamento proporcionado pelo castelo e pela densidade do bosque da cercania.

Mono, homossexual não assumido que ainda vive com a sua mãe, rapta Dom Diego para conseguir o dinheiro do resgate. E não só. Ele é obcecado por Isolda. É a partir daqui que a narrativa se desenvolve em várias perspectivas e planos temporais.

“O Mundo de Fora” é mais do que uma boa história. A densidade literária da obra de Jorge Franco deve muito ao confronto entre opostos.

O atrito entre realidade e magia é constante. O interior de uma literatura tão devedora do realismo mágico é confrontado com a violência do exterior, que parece arruinar tudo. Jorge Franco dialoga com o legado literário de Gabriel Garcia Márquez. Macondo é corrompido pela realidade pragmática.

A relação entre forças opostas é dinamizadora, e a conjugação entre imagens de origens distintas, com contextos improváveis, dá um tom onírico e bizarro ao romance.

Já em tempo de Guerra Fria, o mundo sonhado de Isolda é corrompido pelo fumo das fábricas, o ruído dos automóveis e pela maldade dos homens. Isolda é uma crisálida prestes a habitar um mundo sem magia. O contacto da menina com a terra, com o misterioso bosque, e com os Almiraj é a raiz da sua felicidade, em oposição à educação formal dada por várias perceptoras, em casa. Os Almiraj são criaturas míticas que habitam uma também mítica ilha. São representadas por coelhos amarelos com um corno na testa. Estas representações sublinham o carácter de isolamento do castelo e, juntamente com os urubus-de-cabeça-preta, prenunciam a tragédia.

“Depressa se acalma e, de costas para o castelo, observa as montanhas, os urubus-de-cabeça-preta que pairam sobre o rio, o fumo das fábricas, o entardecer de uma cidade que acaba de mudar de pele para mostrar a sua verdadeira natureza”.

O antagonismo presente na sexualidade, na política, na demografia, geografia, correntes artísticas e na vida (e morte) dá substância e complexidade ao romance. Esta é a sua grande virtude. E é esta característica que permite a “O Mundo de Fora” ser mais do que uma história bem contada.

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