Barba de Tutankhamon partida e colada à pressa

A barba da máscara mortuária de Tutankhamon ter-se-á partido acidentalmente e foi restaurada com uma supercola que deixou marcas visíveis naquele que é o mais icónico tesouro do Museu Egípcio do Cairo.

A máscara de Tutankhamon
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A máscara de Tutankhamon
Imagem que mostra os vestígios de cola entre a barba e o queixo do faraó
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Imagem que mostra os vestígios de cola entre a barba e o queixo do faraó

A barbicha da famosa máscara mortuária do faraó Tutankhamon, possivelmente o mais icónico dos tesouros conservados no Museu Egípcio do Cairo, terá sido partida por descuido durante uma rotineira operação de manutenção e posteriormente colada à pressa com uma dessas substâncias que as drogarias comercializam com a designação de “supercola”.

É verdade que a dita barbicha – a barba postiça era um ornamento tradicional da realeza faraónica – ainda não voltou a cair, mas o problema é que o remendo é demasiado visível. Entre o queixo do faraó e a barba nota-se agora uma substância amarelada e translúcida, e a máscara apresenta ainda algumas arranhadelas, alegadamente resultantes da tentativa de limpar o excesso de cola com uma espátula.

Um conservador do museu que não quis identificar-se, alegando que receava ser despedido, contou à imprensa a sua versão dos acontecimentos, que não coincide com a que o actual director do Museu do Cairo, Mahmoud el-Halwagy, e o chefe do departamento de conservação, Elham Abdelrahman, assumiriam após o escândalo ter rebentado.

“O que aconteceu foi que uma noite, quando tentavam arranjar a luz da vitrina, pegaram mal na máscara e a barba quebrou-se”, garante o funcionário anónimo. Ainda de acordo com o seu testemunho, “tentaram arranjar a máscara durante a noite com o material errado, mas não ficou bem colada e voltaram a colá-la na manhã seguinte, muito cedo”. O desastre terá ocorrido no final do ano passado e, segundo este conservador, que não precisa a data nem nomeia os responsáveis, “o problema foi terem querido restaurar máscara “em meia hora, quando precisavam de dias”.

Não menos problemático foi ter-se usado uma resina chamada epóxi, uma supercola usada para fixar irreversivelmente pedra e metal, e que, uma vez seca, não se deixa retirar nada facilmente dos materiais em que é aplicada. Nada apropriada, portanto, para uma delicada operação de restauro de um tesouro arqueológico de valor incalculável.

As ordens para esta colagem expedita terão “vindo de cima”, a acreditar nesta versão, que o director do museu desmente. Mahmoud el-Halwagy garante que a barba nunca se quebrou e que nada aconteceu à máscara de Tutankhamon desde que ele próprio iniciou o seu mandato em Outubro passado. Não nega que o objecto tenha sofrido uma intervenção e reconhece que já tinha reparado nas marcas que esta deixara, mas diz que não se tratou de um arranjo, mas antes de uma espécie de medida preventiva.

Num momento que não especificou, salvo para assegurar que foi “muito antes” de ter assumido funções como director, os conservadores do Museu do Cairo terão receado que a barba pudesse vir a soltar-se no futuro, e decidiram reforçá-la com um adesivo, devidamente autorizado pelo ministério egípcio das Antiguidades. “O problema é que é muito visível”, reconhece Mahmoud el-Halwagy.

O túmulo de Tutankhamon foi descoberto em 1922, no Vale dos Reis, pelo arqueólogo britânico Howard Carter. A câmara funerária, que só foi aberta em Fevereiro de 1923, revelou um sarcófago, no interior do qual Carter descobriu três caixões. Num deles, de ouro, estava a múmia de Tutankhamon, com a máscara mortuária sobre o rosto.

A máscara, que mede 54 cm de altura e pesa mais de 10 quilos, figura Tutankhamon, que terá vivido entre 1341 e 1323 a. C. (pensa-se que subiu ao trono com nove anos e morreu precocemente aos 18), na sua dimensão divina de Osíris. É feita de folha de ouro e decorada com incrustações de vidro colorido, sendo os olhos formados por quartzos e obsidianas, com o rebordo traçado em lápis-lazúli.

É a grande estrela do Museu Egípcio do Cairo, de modo que este escândalo, aparentemente revelado a partir da própria instituição, está a criar grande polémica, tanto mais que vem na sequência de outros alegados episódios de negligência na conservação do riquíssimo espólio do museu.

A imprensa europeia não tem resistido a recordar, a propósito desta controvérsia, a famosa maldição de Tutankhamon, uma superstição criada após Lord Carnarvon, mecenas da expedição de Carter, ter morrido nas escavações, ao que parece de uma ferida infectada. “Será que a maldição real vai ser a supercola?”, ironiza, por exemplo, o diário espanhol El País.

Fora de brincadeiras, o que é certo é que, a confirmar-se a versão de que a barba foi mesmo partida e colada às três pancadas, quer a gravidade do descuido, quer a atabalhoada tentativa de ocultar o acidente, só terão paralelo no tempo de Cleópatra, quando, como sabem todos os leitores de Goscinny e Uderzo, o visitante gaulês Obélix partiu sem querer o nariz da Esfinge e o enterrou na areia a ver se ninguém dava por ela….

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