Papa inconsequente

A frase dos coelhos é a visão de Roma há meio século, mas continua guardada nas arcas do Vaticano.

Sem surpresa, o Papa viu milhares de crianças de rua durante a visita às Filipinas. Há quase 15 milhões de crianças pobres no país.

Neste contexto, ao regressar a Roma, um dos correspondentes do Vaticano que o acompanharam perguntou ao Papa o que diria ele a uma família católica que tem mais filhos do que o seu orçamento permite apenas porque a Igreja proíbe a contracepção artificial. Foi aí que Francisco, com a sua linguagem simples – o “estilo livre”, como diz o Vaticano –, disse a frase que ficará na história: “Algumas pessoas pensam – e peço desculpa pela expressão – que para sermos bons católicos temos de ser como os coelhos. Não. Parentalidade é responsabilidade.”

O tom coloquial surpreendeu, como acontece com tudo o que Francisco diz. Mas não há nada de novo nesta mensagem. E esse é o problema.

Há 50 anos que a Igreja Católica decidiu que ter filhos tem de ser um acto de consciência, generosidade e responsabilidade. O Concílio Vaticano II, que nos anos 1960 quis humanizar a Igreja, fez o que alguns teólogos descrevem como “dar o salto” para a modernidade, "salto" que outras religiões continuam a não ser capazes de fazer. Mas esse novo pensamento traduziu-se em pouco: os padres deixaram de celebrar a missa de costas para os crentes e passaram a usar as línguas vernáculas em vez do latim. No que realmente importa nada mudou. A Igreja Católica continua a não dar respostas aos católicos gays, aos católicos que não querem ter 10 filhos, aos católicos que não são monogâmicos ou aos católicos que querem voltar a casar. Este Papa tem o talento de traduzir o pensamento do Concílio Vaticano II para uma linguagem que qualquer doméstica das Filipinas entende. Mas Francisco não pode ficar-se pelos sound bites. A frase dos coelhos é a visão de Roma há meio século, mas continua guardada nas arcas do Vaticano. Por estar longe da realidade e das pessoas, é ignorada pela grande maioria dos católicos. Expõe o quanto a Igreja não evoluiu em 50 anos e faz temer que nada mude nos próximos 50.

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