O dilema da cópia privada

O novo comissário europeu para a Economia e Sociedade Digitais anunciou que a primeira iniciativa legislativa do seu mandato será na área do Direito de Autor

Foto
Horia Varlan/Flickr

O copião é um clássico da escola. O aluno que espreita o que o colega do lado escrevinha na folha de ponto, umas vezes como quem não quer a coisa, outras à descarada, marca presença em todas as escolas e turmas. O copião que nada estudou enfrenta um dilema difícil em todos os testes: copiar, arriscando-se a ser apanhado e a ver a prova anulada, ou não fazer o teste, silenciando a sua falta de estudo, mas sofrendo a devida penalização. Como em todos os dilemas, ambas as alternativas deixam a desejar. É bem feita, dizem os marrões. Tivesse estudado.

A Directiva Sociedade de Informação dá aos Estados-Membros da União Europeia a possibilidade de preverem uma excepção de cópia privada, desde que a façam acompanhar de uma compensação equitativa a favor dos titulares de direitos de autor. Comprou o último CD do Nel Monteiro e quer copiar as músicas para o seu leitor de MP3, para poder ouvi-las durante a corrida matinal? Pode fazê-lo, desde que pague. Contudo, acrescenta a Directiva, nas “situações em que o prejuízo para o titular do direito seja mínimo, não há lugar a obrigação de pagamento” da compensação.

Foi com base nesta ressalva que o Reino Unido aprovou recentemente a sua excepção de cópia privada, desguarnecida de qualquer forma de compensação para os titulares de direitos. A responsável do Governo do Reino Unido por esta lei afirmou que “o governo não acredita que os consumidores britânicos tolerassem taxas pela cópia privada. São ineficientes, burocráticas e injustas, bem como penalizadoras dos cidadãos que já pagam pelos conteúdos”. Como era de esperar, a indústria musical não se ficou e submeteu um pedido de fiscalização judicial da lei.

A questão da margem de manobra de que dispõem os Estados-Membros que queiram, como o Reino Unido, aprovar leis que derroguem a cobrança da compensação equitativa em caso de prejuízo mínimo está também a ser analisada pelo Tribunal de Justiça da União Europeia, no âmbito de um processo com origem dinamarquesa. Espera-se o acórdão em breve.

Há alguns meses, este mesmo tribunal veio dizer que os "downloads" feitos a partir de fontes ilícitas, como as redes "peer-to-peer", não estão protegidos pela excepção de cópia privada, pelo que não podem pesar no cálculo da compensação equitativa. Se os "downloads" afinal não contam, como antes se podia argumentar que contavam, o prejuízo causado pela cópia privada parece ser praticamente nulo: muito poucos consumidores comprariam a obra em diferentes formatos para poderem desfrutá-la em diferentes dispositivos.

Ao desenvolvimento jurisprudencial da compensação equitativa pela cópia privada acrescem previsíveis desenvolvimentos legislativos também ao nível europeu: recentemente, Günther Oettinger, o novo comissário europeu para a Economia e Sociedade Digitais, anunciou na sua conta do Twitter que a primeira iniciativa legislativa do seu mandato será na área do Direito de Autor.

A matéria que sai para o teste da cópia privada está, assim, envolta em incerteza. Perante os desenvolvimentos recentes e os movimentos contra a aprovação da proposta de alteração à Lei da Cópia Privada, a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, palco da discussão da proposta na especialidade, optou por esperar e estudar. Em vez de copiar precipitadamente o esquema de compensação equitativa adoptado noutros Estados-Membros, a comissão parlamentar preferiu criar um grupo de trabalho para discutir alterações e ouvir mais entidades interessadas. Uma decisão prudente. Afinal de contas, estudar, evitando o dilema do copião, é o melhor remédio.

Sugerir correcção
Comentar