Abriram as portas da nova casa da música de Paris. Ou quase

As portas da Filarmónica de Paris estão abertas ao público, após cinco anos de construção. Poderá a música fazer esquecer as polémicas do projecto?

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Aspecto geral da sala no dia da apresentação aos jornalistas François Guillot/AFP
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Músicos da Orquestra de Paris na gala de abertura CHARLES PLATIAU/Reuters
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Foram muitos os que enfrentaram a fila para ficar a conhecer a nova sala DOMINIQUE FAGET/AFP
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Laurent Bayle, presidente da Filarmónica, durante o ensaio da Orquestra de Câmara de Paris JACQUES DEMARTHON/AFP
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As filas prolongaram-se DOMINIQUE FAGET/AFP
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Exterior do edifício projectado por Jean Nouvel JACQUES DEMARTHON/AFP
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O maestro Paavo Jarvi conduzindo a Orquestra de Paris na gala de inauguração François Guillot/AFP
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O pianista chinês Lang Lang e o maestro estónio Paavo Jarvi num ensaio da Orquestra de Câmara de Paris JACQUES DEMARTHON/AFP
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O Presidente francês, François Hollande, na gala de inauguração CHARLES PLATIAU/Reuters
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O público na sala, já este sábado DOMINIQUE FAGET/AFP

Este fim-de-semana as portas da nova Filarmónica de Paris estão abertas mas aquilo que o público vai poder ver, depois de cinco anos de obras, não é, ainda, a nova meca da música sonhada pelo maetro e compositor Pierre Boulez e projectada por Jean Nouvel há quase 15 anos. Há zonas interditas, há gruas instaladas, há mobiliário que ainda não chegou, os restaurantes estão fechados, os acessos continuam condicionados e as grandes passagens desenhadas pelo arquitecto francês, que permitiriam um diálogo visual entre quem está a ensaiar e quem se passeia, continuam por terminar. Apenas os pássaros da fachada voam já há algumas semanas, mesmo que a ideia original fosse de os esculpir em baixo relevo.

Na Primavera deverão abrir novos espaços, sobretudo os de exposições e restauração, bem como mais salas de ensaios e acolhimento. E só depois, no Verão, se dará acesso ao terraço onde 700 pessoas poderão, de cada vez, observar “a mais bela vista sobre a região parisiense”, disse Laurent Bayle, director da Filarmónica e discípulo de Boulez aos jornalistas numa visita cinco horas antes da inauguração oficial de quarta-feira, 14 de Janeiro, por entre cabos ainda por instalar, corredores por alcatifar e painéis por fixar no átrio de entrada.

“Havia um compromisso público de abrir esta casa”, reafirmou. Laurent Bayle fala da Filarmónica como um “outro modelo” e diz que é, mais do que de uma sala de concertos, “uma experiência colectiva”.

Músicos e espectadores, crianças e os seus pais, experimentados melómanos e curiosos em iniciação “encontrar-se-ão com a música”, diz, tal como aconteceu nas artes plásticas com o Centro Georges Pompidou, aberto no final dos anos 1960.

A nova Filarmónica está encravada num dos pólos do Parc de La Villete, na fronteira Este de Paris, onde o projecto de uma cidade para a música esperava há anos por uma conclusão. O edifício, de 52 metros de altura, “é uma mão estendida ao público que vive para lá da pheripherique”, explica, falando da circular que rodeia Paris e que, simbolicamente, serve de muralha para proteger a cidade.

Bayle quer encontrar um público novo que ajudará a afastar a ideia de que “esta será a casa do público especializado”.  “Vamos procurar criar uma relação de proximidade através do uso dos instrumentos”, diz, confiante de que os novos públicos que acorrerão à Filarmónica, ajudados por uma política de preços que permitirá ver as grandes orquestras mundiais por 20 euros, contribuirão também para estabelecer uma outra relação com aqueles que se habituaram a ir até a Salle Pleyel – lugar de culto para os melómanos e que agora se vê interditada de programar música clássica - ou eram assinantes da Cité de la Musique, cuja programação é absorvida e a sala, onde até agora se apresentavam estas orquestras, se transforma em espaço secundário.

“A variedade das formas musicais [que transparece da programação] responde aos que ainda se sentem intimidados perante uma instituição como esta”, acrescenta. A música, vista como “um lugar de encontro”, não havia ainda conseguido “responder às novas práticas de consumo cultural pelas novas gerações”. Bayle fala de “um projecto de pedagogia colectiva”.

Casa de orquestras
A Filarmónica quer ser “a casa das orquestras” e, efectivamente, as formações residentes mostram a diversidade, mas também a complexidade, da programação. À Orquestra de Paris e ao Ensemble Intercontemporain, as formações residentes, juntam-se três formações associadas, a Orquestra Nacional de Île de France (equivalente à Orquestra Metropolitana de Lisboa, por exemplo), a Orquestra de Câmara de Paris, e ainda o agrupamento especializado em música barroca Les Arts Florissants.

São mais de 500 músicos, aos quais é preciso acrescentar o Coro da Orquestra de Paris, formação amadora mas preparada por profissionais que participa, pontualmente, em obras de repertório. Isto para lá de uma programação intensa e variada, que vai da música clássica, nas suas composições sinfónica e filarmónica, à contemporânea (Pierre Boulez será, naturalmente, homenageado), à ópera (Monserrate Caballé, Jessye Norman) e à oratória (Marion Cotilard será Joana d’Arc na obra Jeanne d'Arc au bûcher, de Arthur Honegger e Paul Claudel). Mas há também espaço para o jazz (Brad Mehldau terá uma presença significativa), o musical, as músicas do mundo, a pop, o rock e tudo o que fica no meio (The Divine Comedy, Ute Lemper, Laurie Anderson, por exemplo). E com o cinema (Kubrick, Cocteau), a dança (Béjart, Découflé, hip-hop), o teatro (Katie Mitchell) as exposições (com David Bowie is, a abrir, em Março, a excepcionalidade da programação) a fazerem parte de um programa que, diz Bayle, “transformará esta casa numa casa viva”, onde a pianista portuguesa Maria João Pires tocará a 2 de Abril com a Orchestre National du Capitole de Toulouse um programa que inclui Mendelssohn, Chopin e Tchaikovsky. Isto numa sala de 2400 lugares onde o espectador da última fila estará “apenas” a 32 metros do maestro (são 40 na Filarmónica de Berlim e 45 na de Los Angeles).

No que respeita aos equilíbrios de programação, o que se podia apresentar como um problema é visto pela direcção da Filarmónica como um desafio. “Será necessário encontrar princípios de acordo entre todos os intervenientes”, explicava Bayle, perante questões relacionadas com calendários de programação. “Existirão ajustes entre todos que levarão a que se nós, por exemplo, quisermos programar a Filarmónica de Berlim para fazer Beethoven, teremos que saber se a Orquestra de Paris tenciona fazer uma integral das sinfonias”. São reconhecidas as limitações que tal gestão impõe mas esse é apenas um dos muitos problemas que a Filarmónica de Paris enfrentou ao longo dos anos. “Vamos conseguir”, diz Bayle, respondendo à recusa de Nouvel em estar presente com “silêncio”. “Interiormente estou certo de que partilhamos da imensa alegria em dar esta magnífica casa a Paris.”

Projecto de risco
A história da Filarmónica de Paris é a história de épicas batalhas políticas e orçamentais, e onde os egos de todos quantos nele participaram tornaram este projecto num dos mais arriscados da história dos edifícios públicos em França. Nouvel, que recusou estar presente na abertura, não se revê num projecto que, ao longo dos anos, viu o seu orçamento triplicar, apontando-se agora para 308 milhões de euros. Mas este é apenas o início de uma história que resistiu a quatro Presidentes da República, 14 primeiros-ministros, 17 ministros da Cultura e variadíssimos processos em tribunal.

A estrutura financeira na qual assenta é complexa, fruto de um longo processo de negociações entre o Estado e a Câmara de Paris, ao qual não foram alheias as guerras públicas de Jean Nouvel, que repetindo as palavras de Pierre Boulez – o pai espiritual da ideia de uma nova casa para a música e, em surdina, a razão pela qual se apressou a abertura, em virtude da degradação da sua saúde – disse em comunicado que “a sala deveria ser testada com as melhores orquestras antes de ser aberta”. Na véspera da abertura, por exemplo, o ensaio geral foi feito por entre as montagens de inúmeros detalhes.

O orçamento anual de 30 milhões de euros, divididos entre dinheiros públicos e receitas próprias (bilheteira, mecenato e venda de concertos), é já o resultado de longas negociações. Mas os 15 milhões de euros a que corresponde o financiamento público não é dividido de formas iguais. O Estado, através do Ministério da Cultura, dá à Filarmónica nove milhões (que se juntam aos 23 milhões que já atribui anualmente à Cité de la Musique), e a Câmara de Paris contribui com seis milhões de euros. Um valor que, no dia da inauguração, estava ainda por confirmar.

Mas, uma semana após os atentados que puseram a França, e em particular Paris, em sobressalto, o momento era de concórdia. Minutos antes de ser ovacionado de pé por uma plateia de 2400 pessoas, François Hollande dizia aos convidados oficiais que “a cultura é aquilo que os terroristas querem atacar”. A cultura, continuou o Presidente francês, “é o que de mais livre existe”. Horas antes, aos jornalistas, Laurent Bayle afirmava que a Filarmónica de Paris quer ser esse espaço de liberdade.

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