A Suíça e a desvantagem de ser vista como um porto seguro

Banco central desiste de manter o franco suíço colado ao euro e a divisa disparou nos mercados. Empresas exportadoras dizem que é um “tsunami”.

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Banco central suíço deixou a sua divisa disparar de valor nos mercados
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Banco central suíço deixou a sua divisa disparar de valor nos mercados AFP PHOTO / FABRICE COFFRINI

Conhecidos por jogarem pelo seguro e por serem previsíveis, os suíços provocaram esta quinta-feira uma das maiores surpresas dos últimos anos nos mercados financeiros internacionais.

Contra todas as expectativas, o Banco Nacional da Suíça (BNS) decidiu abandonar o tecto que vinha imposto há já três anos à valorização da sua divisa face ao euro. O resultado foi uma escalada repentina do valor do franco suíço, que chegou a subir durante a manhã mais de 40% em relação ao euro e terminou o dia a ganhar 15,8%. Se durante três anos e até a manhã desta quinta-feira com um euro se conseguia comprar um pouco mais de 1,20 francos suíços, agora só se compram 1,03.

O presidente do BNS tentou responder, em conferência de imprensa, à pergunta que todos queriam fazer: o que é que levou o banco central a abdicar de uma estratégia que até há uma semana defendia publicamente como fundamental para a economia do país. “Decidimos que não fazia sentido continuar com uma política que não é sustentável e que apenas pode ser posta em prática intervindo constantemente nos mercados”, afirmou Thomas Jordan.

Na prática, o que este responsável está a assumir é que, perante a expectativa de que o Banco Central Europeu comece a injectar mais euros já a partir da próxima semana, o BNS sentiu que já não tinha capacidade para contrariar a pressão dos mercados que empurravam o franco suíço para cima. Nos últimos três anos, para manter a taxa de câmbio de 1,20 francos suíços por euro, o banco central teve de comprar uma enorme quantidade de euros e de dólares, acumulando reservas que começavam a ser consideradas excessivas.

Agora, apesar de ter voltado a baixar as taxas de juro dos depósitos (de-0,25% para -0,75%), deixou, de forma repentina e surpreendente, de ter um tecto explícito para cumprir.

Franco forte assusta
O problema que a Suíça está a viver é precisamente o inverso do que está a ser vivido por mercados emergentes como a Rússia ou a Argentina. Sendo uma economia baseada nas exportações e com um enorme sistema bancário, o país tem uma grande capacidade para atrair capital e a sua divisa é vista como um porto seguro em tempos de turbulência.

Ser um porto seguro, contudo, pode ser uma desvantagem em tempos de crise. É que, se a moeda se valorizar muito, especialmente face ao euro, as exportações ficam de imediato menos competitivas no importante mercado europeu (e noutros mercados) e o preço dos produtos importados cai, conduzindo a novas descidas de inflação.

A Suíça tem-se deparado nos últimos anos com uma economia a crescer a um ritmo muito lento e com a ameaça permanente de entrada na armadilha da deflação. Esses riscos podem agora acentuar-se.

Não é por isso de espantar que sejam os líderes das grandes empresas exportadoras suíças aqueles que mais estão a criticar a decisão do banco central e do seu presidente. “Estou sem palavras. Jordan não é só o nome do presidente do BNS, é também o nome de um rio. E o que a acção de hoje do banco central constitui é um tsunami para a indústria exportadora, para o turismo e para toda a economia”, afirmou esta quinta-feira Nick Hayek, o CEO da Swatch.

O fabricante de relógios tem nas exportações a grande maioria das suas vendas e será agora forçado, ou a competir com preços mais elevados em euros e dólares ou a baixar as suas margens. As acções de diversas empresas suíças caíram a seguir ao anúncio do banco central, tendo o principal índice bolsista do país perdido quase 10% do seu valor.

Os efeitos não se deverão ficar pela economia suíça. Entre os primeiros a sofrer estarão os países do Leste da Europa que têm um nível elevado de dívida denominado em francos suíços.

A prazo, a decisão do BCS torna ainda mais complexa e instável a teia de interesses entre os diversos bancos centrais numa altura em que as taxas de juro estão quase a zero e o crescimento e a inflação teimam em não recuperar. Como afirma o economista Mohamed El-Erian num artigo de opinião no Financial Times, “a decisão do BNS é mais uma prova de que os bancos centrais estão a sentir cada vez mais dificuldade em implementar uma política de repressão da volatilidade que já vinha sendo desafiada pela crescente divergência nas perspectivas de política entre a zona euro e os Estados Unidos".

O próximo episódio deste conflito entre bancos centrais será protagonizado pelo BCE, que na próxima quinta-feira poderá anunciar a introdução de novas medidas de estímulo monetário.

O que os outros bancos centrais estão a fazer

Banco Central Europeu – Com a economia outra vez perto de uma recessão e a inflação a chegar a um valor negativo, o medo de que a zona euro esteja a entrar num processo deflacionista grave, é possível que o BCE avance, já na próxima semana, para a compra de dívida pública, injectando qualquer coisa como 500 mil milhões de euros nos mercados. Uma depreciação do euro é um dos efeitos desejados com esta medida.

Reserva Federal – Depois de vários programas de compra de activos feitos de forma muito agressiva, a economia está a recuperar, o desemprego a voltar para níveis normais e a inflação a aproximar-se dos objectivos. A primeira subida de taxas desde 2006 começa a estar no horizonte.

Banco de Japão – Há duas décadas a tentar combater a deflação, o banco central nipónico aumentou recentemente o seu programa de compra de activos para responder ao regresso de dados decepcionantes na economia. O país ainda não saiu da armadilha da deflação.

Banco de Inglaterra – O programa ambicioso de compra de activos fez o desemprego cair mais rápido do que o previsto. O banco central contudo espera pelo que irá acontecer nos EUA e na zona euro para decidir qual o próximo passo.

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