Tribunal europeu deixa BCE mais à vontade para começar a comprar dívida pública

Parecer positivo ao programa de compra de obrigações (OMT) de 2012 e defesa da autonomia do BCE para tomar decisões contribuem para que banco central fique mais descansado quanto à legalidade de comprar dívida pública dos Estados-membros

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Mario Draghi pode ter mais motivos para optimismo DANIEL ROLAND/AFP

O Tribunal de Justiça da União Europeia (TJE) deu nesta quarta-feira um contributo importante para que o Banco Central Europeu (BCE) possa começar brevemente a comprar dívida pública dos países da zona euro.

Um parecer emitido pelo advogado-geral do TJE encarregue de analisar o programa de compra de obrigações anunciado pelo BCE em 2012 – designado como Outright Monetary Transactions (Transacções Monetárias Definitivas em português e OMT na sigla em inglês) -, considera que essa medida está de acordo com o mandato do BCE, desde que cumpra determinadas condições.

Este parecer positivo não é relativo a uma compra de dívida pública generalizada como a que agora está a ser ponderada pelo BCE, mas existia a convicção no mercado de que qualquer sinal de reprovação em relação ao OMT poderia conduzir Mario Draghi e os seus pares a recuarem também nesta medida não convencional.

Agora, apesar de o parecer não ser vinculativo para a decisão final dos juízes dentro de cerca de um mês, o BCE fica mais à vontade para avançar para a compra de dívida pública já na próxima reunião do dia 22 de Janeiro, com a qual pretende reanimar a economia europeia e combater o risco crescente de deflação.

Pedro Cruz Villalón, o advogado-geral encarregue do caso, defendeu que o OMT, anunciado em 2012 mas nunca colocado em prática, estava desenhado de forma a que a compra de obrigações não seja excessiva. “O programa OMT é necessário e proporcionado em sentido estrito, já que o BCE não assume um risco que o leve necessariamente a um cenário de insolvência”, afirma o TJE em comunicado.

O parecer impõe, contudo, condições: ao colocar em prática o OMT, o BCE tem de justificar bem essa decisão e não fazer parte da equipa que negoceia os programas de ajustamento que são impostos aos países beneficiários da compra de obrigações. Isto significaria que o BCE não poderia fazer parte da troika nos países onde aplicasse o OMT. 

Críticas alemãs
O programa em OMT foi anunciado pelo BCE no auge da crise da dívida europeia, em 2012, quando para além de Grécia, Portugal e Irlanda, as taxas de juro subiam para níveis recorde em grandes países da zona euro, como a Itália e a Espanha. A ideia delineada pelo BCE era a de que o banco poderia comprar títulos de dívida pública de países em dificuldades, desde que estes já tivessem garantido acesso ao mercado de dívida de forma regular e estivessem sujeitos a algum tipo de programa acordado com as instituições europeias.

O anúncio da existência deste programa de compra de obrigações surgiu como consequência da promessa de Mario Draghi de que o BCE iria fazer tudo o que fosse preciso para salvar o euro. De facto, apesar de o OMT não ter sido ainda colocado em prática, o simples facto de estar disponível contribuiu decisivamente para a descida das taxas de juro que se tem vindo a registar desde 2012 nos países da periferia da zona euro, como Portugal.

Fizeram-se ouvir, no entanto, várias críticas ao OMT, nomeadamente entre aqueles que acusam o BCE de, com essas compras de obrigações, estar a ir conta a lei europeia que impede o banco central de financiar os Estados. O banco central alemão sempre mostrou a sua oposição a esta medida e foram apresentadas várias queixas junto do tribunal constitucional alemão, que no ano passado optou por remeter esta questão ao TJE.

Face ao parecer desta quarta-feira, já há na Alemanha quem recorde que, mesmo que se confirme uma aprovação do OMT pelo tribunal europeu, o tribunal constitucional alemão ainda pode retomar o tema e tomar a sua própria decisão. Parecendo antecipar esta reacção, o advogado-geral do TJE deixa também um recado importante ao tribunal constitucional alemão e à sua tentativa de controlar aquilo que o BCE faz: “o BCE deve gozar de uma ampla margem de apreciação ao delinear e executar a política monetária da UE, e os tribunais devem fiscalizar a actividade do BCE com um considerável grau de contenção, pois carecem da especialização e da experiência com que o BCE conta nessa matéria”.

O parecer agora emitido pelo advogado-geral não significa que esta posição acabe por ser a decisão final do tribunal. Um advogado-geral do TJE tem como função apresentar publicamente e com imparcialidade pareceres sobre os processos submetidos ao Tribunal. Só o faz nos casos em que o Tribunal considere que o processo em causa suscita uma nova questão de direito, como acontece relativamente ao plano de compra de obrigações do BCE.

O Tribunal não é obrigado a seguir o parecer do advogado-geral. Os juízes irão agora debater o processo entre si, para depois publicarem um acórdão – algo que deverá acontecer dentro de cerca de quatro semanas.

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