Aqui come-se e bebe-se cinema português

Do nome à ementa, da decoração aos eventos, tudo no Aniki Lounge, no Bairro Alto, se inspira na sétima arte lusa

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E que tal um "cocktail" Noite Escura para acompanhar uma Salada Argumentista, ou terminar a degustação de um menu Bom Povo Português a beber um Espelho Mágico? Se as referências aos filmes lusos já deixam água na boca e vontade ir ao cinema, então é rumar à Rua da Barroca, em pleno Bairro Alto, sentar-se na cadeira do realizador português predilecto (há 40 à escolha) e, quem sabe, até reencarnar Narciso, seguindo a deixa pintada a negro no balcão: “Ó Evaristo, tens cá disto?”. É certo que não será António Silva ou Vasco Santana, que imortalizaram a famosa cena d’"O Pátio das Cantigas", a atender os pedidos, mas Luís de Portugal II e Jaba Dadiani prometem não ficar aquém. E se for à segunda-feira, há mesmo sessão de cinema luso durante o jantar.

O Aniki Lounge nasceu em Maio de 2014 no bairro mais noctívago de Lisboa, numa fusão das experiências profissionais da dupla responsável: o português no campo artístico, o georgiano (com costela grega e a viver há vários anos em Portugal) na área da gastronomia. O resultado é um bar, restaurante e galeria de arte, sempre inspirado no cinema rodado em território nacional. Logo a começar pelo nome do espaço, referência clara ao primeiro filme realizado por Manoel de Oliveira, Aniki Bóbó, mas que foi também escolhido porque a palavra em si “não quer dizer nada”, conta Luís.

No interior, que une três moradas em forma de U, é como se o cinema português servisse de cenário à nova aventura da dupla. Além de vários candeeiros de rua (e regressamos ao "Pátio das Cantigas"), há dezenas de fotografias emolduradas numa das paredes, em jeito de homenagem a figuras “que contribuíram” para a sétima arte portuguesa. Ali se perfilam muitos actores e realizadores, dos incontornáveis aos mais contemporâneos, mas também personalidades à partida menos óbvias, como Amália Rodrigues (“que acabou por marcar o cinema das décadas 1940/50”), José Saramago (com vários livros adaptados ao grande ecrã) ou António Victorino de Almeida (pelo “seu papel em bandas sonoras”). Um mural que “se torna interactivo”, sublinha o responsável, “porque as pessoas que estão vivas podem vir assinar a sua fotografia”. Foi o que aconteceu com Isabel Ruth, que “foi a primeira”, João Botelho, que “começou uma parede nova”, ou Vicente Alves do Ó, o primeiro de 2015.

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“As fotografias são sempre motivo de conversa e troca de conhecimentos, há sempre um cliente que se queixa de faltar alguém ou que vem perguntar quem é este ou aquele”, diz Luís, contando que o mesmo tipo de interacção acaba por acontecer com as cadeiras, que foram baptizadas com o nome de diferentes realizadores, do inaugural Aurélio Paz dos Reis a Cottinelli Telmo ou João César Monteiro. Já na casa de banho, Vasco Santana e Beatriz Costa entram em cena para indicar as portas, enquanto no armário ali perto se vendem obras da Cinemateca Portuguesa. No menu são profissões e nomes de filmes que saltam à vista, entre saladas, petiscos e pratos portugueses, "cocktails" e menus para grupos.

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Nuno Ferreira Santos

No entanto, o cinema marca apenas “o início” de um conceito que se quer mais lato. Por um lado, há “sempre um olhar atento à identidade portuguesa” — quer na ementa, quer na decoração, com dois arcos das marchas populares ou os lenços de Viana nas mesas, mas também com o restauro de uma antiga cisterna do século XVI, descoberta durante as obras no prédio (agora um nicho especialmente indicado para um jantar a dois). Por outro lado, há um “eclectismo no que diz respeito à casa enquanto manifesto de actividades artísticas”. A segunda-feira é sempre dedicada a uma sessão de cinema em português, mas a agenda de eventos vai-se compondo com exposições temporárias, concertos e diferentes espectáculos (de "stand-up comedy" ao burlesco).

“Dou prioridade àqueles que mergulham na temática”, mas o importante “é que se enquadre no espaço”, indica. “Dessa forma acabo por ter aqui outros públicos, se calhar até muitos portugueses, que nunca tinham ouvido falar de Manoel de Oliveira, por exemplo, e que saem daqui pelo menos a saber que Aniki vem de um filme do realizador português.” O convite fica feito: esqueça as pipocas e faça um trio lusitano, com vinho, comida tradicional e, claro, muitas películas nacionais, pois apesar de “infelizmente estarmos cada vez mais escassos de filmes”, ainda há rostos e cinema português suficientes para ir enchendo esta nova casa.

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