Governo quer transferir 1220 investigadores do Estado para as empresas

Nos últimos anos, Portugal produziu em série doutorados e pós-doutorados, mas só 2,6% estão a trabalhar no sector produtivo. O Governo vai recorrer aos fundos europeus para motivar a passagem de 1220 investigadores das universidades para as empresas. O plano vai custar 66 milhões de euros.

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Falta ainda perceber questões como a relação contratual dos investigadores com as empresas para onde vão Rita Baleia

Nos últimos 20 anos Portugal tornou-se uma poderosa máquina de produção de doutorados e pós-doutorados, mas a maior parte deste enorme potencial de conhecimento ficou no lugar onde nasceu: nas universidades, onde 85,3% dos graduados trabalham na docência ou na investigação. O Governo quer mudar este cenário e inscreveu no programa Portugal 2020, que determina as prioridades de alocação das verbas do novo ciclo de fundos comunitários, uma acção que pretende transferir 1220 investigadores do ensino superior para as empresas.

Para o conseguir, os programas operacionais regionais dispõem de cerca de 66 milhões de euros para comparticipar os salários dos investigadores. O Norte, com 400 vagas fica com quase um terço das vagas, seguindo-se o Centro (260), o Alentejo (230), Lisboa (190) e o Algarve (140). No primeiro ano de contrato com as empresas, o programa financia 75% dos salários, no segundo ano 50% e no terceiro 25%.  

“Nós temos dois caminhos para aumentarmos a nossa competitividade”, nota o secretário de Estado que gere o programa de fundos estruturais, Manuel Castro Almeida: “Ou competimos pelo lado do preço dos nossos produtos, ou pelo lado da inovação. Como queremos esta via, temos de aumentar o nosso potencial de investigação e desenvolvimento (I&D) nas empresas”, sublinha. Pelas avaliações do Fórum Mundial da Competitividade, Portugal inclui-se no lote de 30 países cujo motor de desenvolvimento é a inovação. Mas, olhando para a sofisticação da economia nacional, percebe-se que essa avaliação não é assim tão linear: as exportações de bens com alta intensidade tecnológica (por exemplo, aeronáutica, produtos farmacêuticos ou equipamentos de telecomunicações) representam apenas 6.8% do total, quando no auge da Qimonda (uma multinacional tecnológica que faliu em 2009) chegaram a valer mais de 11%.

Por oposição, os produtos de baixa tecnologia representam ainda 28% - embora neste conjunto de bens, como os têxteis ou o calçado, seja errado admitir a inexistência de ciência e tecnologia. “Houve muito trabalho do sistema científico e tecnológico que passou para estes sectores”, explica José Carlos Caldeira, investigador e actual presidente da Agência Nacional de Inovação. O Acordo de Parceria para os fundos estruturais, celebrado entre o Governo e a Comissão Europeia, nota essa mudança ao sublinhar que, “na década precedente”, se registou “alguma expansão de actividades mais intensivas em conhecimento e tecnologias”. O problema é que “o peso nas exportações de bens e serviços com maior intensidade de tecnologia e conhecimento manteve-se modesto”.

A transferência de investigadores do sistema científico nacional para as empresas é, na opinião do Governo, um dos meios capazes de acelerar a mudança. O que está em causa, afinal, é pôr termo a um desequilíbrio que o secretário de Estado do Desenvolvimento Regional faz questão de sublinhar: “Somos o terceiro país da Europa com mais pessoas doutoradas em relação à população total, mas estamos na cauda da Europa em termos de doutorados nas empresas”. Os números são, a propósito, expressivos: em Portugal, apenas 2,6% dos investigadores trabalham nas empresas, enquanto a média da OCDE ascende a 15,7% e, em casos de pequenas economias avançadas como a Dinamarca, esse valor sobe para os 40%. O que não é “um problema do sistema científico, mas também das empresas que em muitos casos continuam a não valorizar o potencial da ciência e da tecnologia para o seu crescimento, explica José Carlos Caldeira.

Exportar em força
A iniciativa do Governo, que se enquadra no plano da “reindustrialização” lançado pelo ex-ministro da Economia Álvaro Santos Pereira, aponta para metas ambiciosas. O Programa Operacional da Competitividade e Internacionalização prevê que em 2020 a indústria represente 18% do PIB (contra 15% actualmente) e eleva o peso das exportações dos actuais 40% para 52% do PIB dentro de seis anos. Para dar este salto, quer o Governo, quer a Comissão Europeia concordaram que Portugal terá de apostar em cadeias de valor que exigem mais intensidade de ciência e de tecnologia. Portugal foi dos países da Europa que mais avanços registou em termos de qualificação - desde 2007 subiu cinco posições no ranking europeu da inovação. Mas é considerado um país “moderadamente inovador”, ocupando a 18ª posição entre os 28 países da UE. “Não passámos da têxtil indiferenciada para os computadores. Houve muitas empresas que deram esse salto, como a Bial, por exemplo, mas a maioria passou da baixa para a média-baixa tecnologia”, explica Manuel Caldeira Cabral, docente de economia da Universidade do Minho.

No próximo ciclo, o Governo quer continuar a aumentar a despesa com investigação e inovação, fazendo-a subir o seu valor de 1,5% do PIB para 2,7%. Mas esse provável crescimento deixará de obedecer ao padrão dos últimos anos. O essencial do investimento será feito nas empresas. “Hoje há mais condições para se atrair investimento para a produção de bens com alta tecnologia. Ao contrário do que acontecia há alguns anos, os recursos humanos são um dos nossos principais activos”, diz Manuel Caldeira Cabral. Há, apenas, que levar uma parte dos investigadores a participar nessa mudança, uma exigência da Comissão Europeia que o Governo apoiou. Numa primeira fase das negociações, “a Comissão queria concentrar todo o investimento na investigação nas empresas”, nota Castro Almeida, mas como essa vontade punha em causa a sustentabilidade do sistema científico nacional, chegou-se a um compromisso. “Se deixássemos de apoiar a investigação no Estado estávamos a matar a investigação em Portugal”, considera Castro Almeida.

A acção dos programas regionais pode servir como ponto de partida para uma maior abertura das empresas à inovação e à ciência, e uma maior disponibilidade dos investigadores para aceitarem desafios no sector privado, acredita o Governo. De resto, o número indicativo de doutorados que se espera poderem mudar de local de trabalho é fácil de cumprir: representa pouco menos de metade dos 2200 doutoramentos realizados em Portugal em 2012. Nesta fase do processo, há, no entanto, ainda muitas questões formais que é necessário esclarecer. Por exemplo, a relação contratual dos investigadores com as empresas para onde vão e o vínculo que conservam nos laboratórios do Estado ou das Universidades de onde são provenientes. Ou o valor dos salários que os fundos vão poder co-financiar.

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