O terrorismo islâmico e a islamofobia

As posições extremas contra o multiculturalismo pretendem recuperar uma pureza que nunca existiu.

Os atentados de 11 de Setembro de 2001, em Nova Iorque, e depois, em 11 de Março de 2004, em Madrid, e a 7 de Julho de 2005, em Londres, e agora o massacre no jornal satírico Charlie Hebdo, em Paris, praticados por extremistas muçulmanos, exigem dos Estados meios eficazes no seu combate. Mas estes crimes não podem conduzir a actos de vingança e islamofobia.

Não esqueçamos o que aconteceu, em 2012, com o cidadão norueguês, de 32 anos, Anders Breivik, que depois de ter colocado uma bomba em Oslo junto do edifício governamental, matando oito pessoas, dirigiu-se à ilha de Utoya, onde decorria um encontro de cerca de 500 jovens do Partido Trabalhista no poder, disfarçado de polícia, matando a tiro mais 69 jovens. No primeiro interrogatório policial, o jovem assassino alegou que a acção que levou a cabo era um mal necessário para impedir o avanço do multiculturalismo e da imigração muçulmana. Nos termos das suas declarações, “o grande inimigo a que a Europa se encontra subjugada é o Islão", o que teria alienado da sua monogenealogia cultural, isto é, dos autênticos valores cristãos. Como adjuvantes e colaboradores deste inimigo (o islão), provisoriamente vitorioso, colocou uma longa lista de nomes, instituições e concepções teórico-ideológicas, tais como a União Europeia, as Nações Unidas e o multiculturalismo, enquanto dimensão de um “marxismo cultural”. Ultimamente, têm ocorrido manifestações na Alemanha e outros países da Europa contra a imigração muçulmana, o que revela, perigosamente, esse sentido de vingança.

Estes factos demonstram que a Europa se encontra sujeita a duas ameaças terroristas de sinal contrário: o terrorismo fundamentalista islâmico (jihadista) e o de extrema-direita anti-islâmico (antijihadista). É importante que os Estados promovam uma luta sem tréguas contra todos os que possam pôr em causa a democracia e os valores do multiculturalismo.

O multiculturalismo nos países europeus tem sido um enorme fracasso, sendo que as medidas tomadas nos últimos anos têm como pressuposto as dificuldades de organização e coexistência numa sociedade multicultural. Os acontecimentos terroristas acima referidos deviam ser um alerta para os que desvalorizam o multiculturalismo ou desconfiam da sua eficácia. As posições extremas contra o multiculturalismo, como as reveladas pelo assassino de Oslo, pretendem recuperar uma pureza que nunca existiu e apenas como mito pode ser reativada. Importa não esquecer que o projecto europeu, segundo os seus fundadores, vai no sentido de se alcançar uma sociedade caracterizada pelo pluralismo, pela solidariedade, pela tolerância, pela não-discriminação. Neste aspecto, os políticos europeus têm-se revelado de uma ignorância perturbadora. As capitais europeias da cultura deveriam também elas cumprir esta missão de promoção do multiculturalismo e de diálogo intercultural, ajudando a derrotar o terrorismo, seja ele de que natureza for.

A Aliança das Civilizações foi criada pela ONU, em 2007, com o objectivo de “combater as crescentes divisões no seio das comunidades, mediante a reafirmação de um paradigma de respeito mútuo entre os povos, com tradições culturais e religiosas diferentes, e a realização de acções conjuntas com este objectivo". Pretende-se que, em vez do “choque de civilizações”, a Aliança se torne numa iniciativa importante para melhor compreensão entre culturas e povos. Porém, infelizmente, esta instituição pouco tem feito na procura de meios para que as culturas se entendam e tenham um melhor conhecimento mútuo.

É de salientar também o contributo que as religiões podem ter para paz, uma vez que, como muito bem afirma Hans Küng, “não haverá paz entre as nações se não houver paz entre as religiões”.

Porém, os cristãos, exceptuando o Papa Francisco, pouco ou nada têm feito pelo diálogo inter-religioso, que tem as suas exigências, já que para existir tem de funcionar nos dois sentidos e é incompatível com a violência, com a intolerância e com o fanatismo, precisando de mútua compreensão para nascer e para crescer. Assim, uma atitude de mútua abertura e confiança das culturas deverá corresponder de nós o máximo de capacidade, enquanto seres humanos na procura da verdade e dos valores humanistas do terceiro milénio, uma vez que uma cultura só se pode compreender pela experiência da vida, no “confronto” entre o passado, o presente e o futuro. Esse “confronto” poderá ser equacionado do seguinte modo: procurar convergências, respeitar diferenças e atenuar divergências, de tal modo que a universalidade faça da tolerância um dever. A União Europeia, na sua missão universal prevista no Tratado de Lisboa, pode ter um papel importante nesta caminhada, aumentando a sua cooperação com os países árabes e muçulmanos, obtendo deles predisposição para o diálogo intercultural.

Juiz desembargador jubilado – narciso.machado @gmail.com

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