Rafael Mora mudou num mês a posição crítica face aos gestores da Oi

O gestor da Ongoing, accionista da PT SGPS, declarou em reunião do conselho de administração de Agosto que a Oi conhecia as aplicações da companhia portuguesa na Rioforte, do grupo GES.

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No início de Agosto, já depois da falência da Rioforte, que gerou uma perda de 897 milhões de euros para a Portugal Telecom, o espanhol Rafael Mora criticou os responsáveis do grupo brasileiro Oi, que se mostraram surpreendidos pelo apoio financeiro da operadora portuguesa ao Grupo Espírito Santo (GES). Mas passado um mês, o accionista da Ongoing (que detém 10% da companhia portuguesa), e administrador não executivo da PT, mudou de posição.

A 7 de Agosto de 2014, conforme consta da acta da reunião de Conselho de Administração da PT, com cerca de 30 páginas e a que o PÚBLICO teve acesso, Rafael Mora interveio em termos fortes contra o parceiro brasileiro. Do seu ponto de vista, tinha “chegado o momento de, de uma vez por todas”, a Oi  “resolver os problemas” e de os seus responsáveis “não se armarem em mártires”, pois não aceitaria, “nem mais um minuto”, que “nos continuem a crucificar na praça pública quando é evidente que eles sabiam” da aplicação ruinosa da PT na Rioforte. E Mora mencionou, a título de exemplo, o CEO da Oi, que na altura era Zeinal Bava, e o administrador financeiro, que era Bayard Gontijo (que substituiu Bava à frente da Oi).

Nessa mesma reunião, Rafael Mora mostrou “o seu desagrado com afirmações de responsáveis da Oi” a reconhecer que a PT “não cumpre as boas regras de corporate governance, quando por razões que explicou [mas que são omissas na acta da administração] esses mesmo senhores infringem sistematicamente as regras de relações de partes relacionadas”.

Mas bastou exactamente um mês para que o gestor espanhol, administrador não executivo da PT e da Oi, mudar literalmente de opinião em relação à operadora brasileira. Tal aconteceu depois de Rafael Mora ter sido indicado, ainda em Agosto, pela gestão da PT, para integrar a comissão de acompanhamento da alteração dos termos iniciais da fusão luso-brasileira, em conjunto com os administradores da empresa Paulo Varela (que votou contra a fusão na reunião da administração de 8 de Agosto) e João Melo Franco (a presidir também à comissão de auditoria) e de Milton Vargas (delegado da Oi).

A mudança das condições da fusão tinha como objectivo compensar a Oi pelo facto de a PT perder valor ao ter de encaixar um prejuízo de 897 milhões de euros resultantes da exposição à Rioforte, um investimento que os brasileiros alegaram desconhecer. Em todo o caso, da due dilligence ao aumento de capital da Oi, encomendada ao Santander Espanha, que envolveu a avaliação dos activos da PT, e que foi entregue aos brasileiros, constavam as aplicações de tesouraria da empresa portuguesa.

A partir de Setembro de 2012, assistiu-se a uma concentração dos excedentes de tesouraria da PT no grupo BES-GES, primeiro em depósitos, depois em títulos de dívida, passando de 79,6% naquele mês, para 85, 9% em Outubro do mesmo ano. A partir daí, o rácio manteve-se sempre acima de 81,5% e atingiu um pico em Maio de 2014: nesta altura, a PT tinha entregue 98,35% da sua tesouraria (1574 milhões de euros) ao BES (em depósitos) e ao GES (897 milhões na Rioforte).

E na assembleia geral da PT, de 8 de Setembro, destinada a votar as novas condições da concentração PT-Oi, consideradas penalizadoras para a parte portuguesa, Rafael Mora surgiu a contemporizar. Depois de reconhecer que o acordo não era bom para a PT, o accionista (e administrador não executivo) lembrou aos restantes investidores que a razão que os levara até ali não era apurar se a Oi sabia ou não da política de aplicações de tesouraria da PT, mas sim se queriam entrar, ou não, numa guerra com os brasileiros que se poderia eternizar. E, na sua óptica, esta não era uma solução desejável, ainda que a PT perdesse cerca de 12% da participação na Oi. E foi assim que o espanhol convenceu a assembleia que acabou favorável aos interesses brasileiros. Mas o tema está longe de ter sido resolvido, como provam os últimos acontecimentos [buscas policiais à PT e à auditora PwC, proposta do presidente da Mesa da AG da PT, Menezes Cordeiro, para enterrar a fusão luso-brasileira; suspenção da negociação em bolsa dos títulos da PT]. 

Dez anos depois de ter sido constituída, a Ongoing contínua envolta em episódios polémicos referidos na comunicação social. E esta quinta-feira, o Expresso noticiou que as entidades de supervisão dos mercados de capitais português, CMVM, e brasileiro, CVM, estão a investigar as relações entre a Ongoing, a Altice e a Oi. E avança que o actual presidente da PT SGPS, João Mello Franco, é administrador da Realtime Corp, uma holding brasileira dominada pela Ongoing e participada pela PT SGPS, via PT Prestações. 

A situação é susceptível de gerar controvérsia pois de acordo com o regulamento da Comissão de Auditoria da PT SGPS, é suposto que os seus membros sejam equidistantes de qualquer accionista. Mello Franco esteve a frente da comissão de auditoria da PT SGPS até 18 de Setembro de 2014, quando deixou as funções para substituir Henrique Granadeiro na liderança da companhia. Fonte próxima de Mello Franco confirmou ao PÚBLICO a ligação à Realtime “sem vencimento” e indicado por Granadeiro para representar a PT Prestações. Este é um dos temas em avaliação pelos reguladores, pois caso se venha a constatar existir um conflito de interesse, pode haver fundamento para a CMVM inibir a Ongoing de votar na AG da PT de segunda-feira. O PÚBLICO apurou ainda que a Oi terá contratado, entretanto,  serviços de sociedades que operam por debaixo do chapéu da Realtime.

A 12 de Agosto, a Ongoing reduzira a sua presença na PT, através de uma operação de swap de 2,5% do capital da empresa, que serviu para pagar parte da dívida ao Novo Banco, que passou a apresentar-se com 12,5% do capital da operadora. Mas os direitos de voto dos 2,5% permanecem na Ongoing. E esta quarta-feira, o Correio da Manhã noticiou igualmente que a Ongoing terá sido ajudada a pagar um empréstimo (correspondente à participação na PT) ao BCP que vencia na semana anterior. Se o crédito não tivesse sido liquidado, haveria lugar à execução da garantia, mas para evitar a situação extrema a Ongoing recorreu a uma conta escrow [a Ongoing entregou parte das suas acções na PT Portugal em troca de novo financiamento com que saldou a divida ao BCP).

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