Como viver mais de 200 anos? Olhemos para a baleia-do-árctico

Equipa internacional liderada por cientista português descodificou o genoma da segunda maior baleia nos oceanos da Terra, que é também o mamífero que vive mais tempo.

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A baleia-do-árctico é a baleia que vive mais a norte Loke Film e Adam Schmedes/Cell Reports 2015
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Esta baleia tem uma cabeça curva Kate Stafford/Cell Reports 2015
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A baleia-do-árctico usa a cabeça curva para quebrar o gelo durante as migrações Craig George/Departamento de Gestão da Vida Selvagem do Alasca

Para aprender os segredos de um envelhecimento gracioso, talvez seja bom olhar para a baleia-do-árctico, majestosa habitante das águas do Árctico que pode viver mais de 200 anos. Uma equipa internacional de cientistas, liderada pelo geneticista português João Pedro de Magalhães, da Universidade de Liverpool, no Reino Unido, descodificou agora o genoma desta baleia, também conhecida por baleia-da-gronelândia (Balaena mysticetus), e este trabalho já ofereceu várias pistas sobre as capacidades excepcionais de longevidade e resistência a doenças desta criatura.

Ao compararem o genoma da baleia-do-árctico com o de outros mamíferos, os cientistas descobriram diferenças nos genes da baleia ligados à reparação da molécula de ADN, ao ciclo celular, ao cancro e ao processo de envelhecimento que podem ajudar a explicar a sua vitalidade e vida longa.

“Este é o maior animal cujo genoma foi sequenciado até agora e é a primeira grande baleia a ser sequenciada”, sublinhou o geneticista João Pedro de Magalhães, cuja equipa publicou os resultados deste trabalho na edição desta semana revista Cell Reports. A equipa disponibilizou ainda os dados num site para facilitar a investigação genética sobre esta espécie.

“Através da identificação de novos mecanismos de manutenção e reparação [genéticos], esperamos aprender qual é o segredo para se viver mais tempo e de forma saudável e ser capazes de aplicar este conhecimento para melhorar a saúde humana e preservar a vida humana”, acrescentou João Pedro de Magalhães.

“A compreensão das diferenças de longevidade nas espécies é muito pobre, por isso o nosso trabalho fornece novos genes candidatos [a explicar essas diferenças] para estudos futuros”, referiu ainda o geneticista português, citado num comunicado da Cell Press, o grupo editorial que publica a Cell Reports. “O meu entendimento é que as espécies desenvolveram ‘truques’ diferentes ao longo da evolução para viverem mais tempo. Ao descobrirmos os ‘truques’ usados pela baleia-do-árctico, talvez possamos aplicar esses resultados aos humanos para combater doenças relacionadas com a idade.”

1000 vezes mais células do que nós
A baleia-do-árctico, que vive mais do que qualquer outro mamífero, está entre as maiores criaturas da Terra. Chega aos 18 metros de comprimento e é a segunda maior baleia, a seguir à baleia-azul. Vive mais a norte do que qualquer outra baleia e utiliza a cabeça, que tem uma forma curva, para quebrar o gelo durante as migrações, para vir à superfície respirar. É quase toda preta, com parte da mandíbula inferior branca. Para se alimentar, filtra a água, comendo grandes quantidades de zooplâncton.

Tem também cerca de 1000 vezes mais células do que os seres humanos, o que torna a sua longevidade ainda mais interessante, já que a multiplicação celular para manter esse corpo poderia levar a mais mutações genéticas e, consequentemente, a maiores probabilidades de ocorrência de cancro. Na realidade, a baleia-do-árctico não tem um risco maior de cancro do que nós, pelo contrário.

“A baleia-do-árctico pesa entre 50 a 100 toneladas em adulta e tem provavelmente 1000 vezes mais células do que os humanos, mas aparentemente tem uma resposta anti-tumoral ao nível celular que é muito mais eficiente do que a que encontramos nos humanos”, diz outro autor do artigo científico, o biólogo Mads Peter Heide-Jørgensen, do Instituto de Recursos Naturais da Gronelândia e da Universidade de Copenhaga, na Dinamarca.

Os cientistas consideram que o genoma da baleia-do-árctico também pode ajudar a explicar as adaptações fisiológicas ligadas ao tamanho corporal. João Pedro de Magalhães explicou que as células das baleias têm uma taxa metabólica muito mais baixa do que os mamíferos pequenos. E acrescentou que o estudo do genoma detectou alterações num gene específico envolvido na regulação da temperatura do corpo que pode estar relacionado com diferenças metabólicas nas células das baleias.

O genoma da baleia-do-árctico é ligeiramente mais pequeno do que o genoma típico de um mamífero, incluindo o dos seres humanos. “Falando genericamente, espécies mais complexas tendem a ter genomas maiores com mais genes, mas penso que nos mamíferos não há uma correlação entre o tamanho do corpo e o tamanho do genoma”, referiu ainda o geneticista português.

O próximo passo da equipa, segundo o comunicado, é tentar criar ratinhos geneticamente modificados – nos quais se introduzirão vários genes da baleia-do-árctico –, para assim determinar a importância desses genes na longevidade e na resistência às doenças.

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