Em cinco minutos mataram o Charlie e chocaram o mundo

Ninguém sabe quem são ou por que o fizeram. Sabe-se apenas que o fizeram rapidamente e com uma eficácia militar. A França procura os três homens por trás do massacre do Charlie Hebdo.

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Polícia francesa lançou uma grande operação para encontrar os três suspeitos Christian Hartmann / Reuters

A tragédia que se abateu nesta quarta-feira sobre França foi tão rápida quanto chocante. Poucos minutos se passaram entre o primeiro tiro na sede do semanário Charlie Hebdo e a abertura da caça ao homem. Três homens, na verdade – os autores de um massacre em vários sentidos que traumatizou a França. Bastaram pouco mais de cinco minutos para que doze pessoas fossem assassinadas a sangue frio e o coração da Europa fosse atingido na liberdade de expressão.

Perto das 11h30, dois homens entram no edifício onde está sedeada a redacção do semanário satírico Charlie Hebdo, na rua Nicolas Appert, a poucos metros da Praça da Bastilha. Vestidos de negro, de caras tapadas, e com armamento pesado, os homens entram na recepção do edifício, onde balearam e mataram de imediato um funcionário. Segundo o testemunho de Coco, uma das cartoonistas do jornal, foi ela que foi abordada pelos dois homens que lhe apontaram as armas e a obrigaram a inserir o código de acesso ao edifício. “Tudo durou cinco minutos”, contou à AFP, ainda em estado de choque.

No andar de cima, o corpo editorial do Charlie Hebdo participava na reunião semanal da publicação quando foi surpreendido pelos atacantes. “Os dois homens abriram fogo e mataram friamente as pessoas que se encontravam na reunião de redacção, assim como o polícia encarregado da protecção do cartoonista Charb, que não teve tempo para ripostar”, contou à AFP uma fonte policial. Charb, o director do Charlie Hebdo e um dos nomes maiores do cartoon francês, foi um dos oito jornalistas mortos. Que impacto estas mortes terão para o futuro do jornal ainda é impossível dizer.

Passam-se dez minutos até a polícia receber um pedido de socorro para o local. O primeiro carro-patrulha que chegou à redacção ainda encontrou os dois homens, que entraram rapidamente no Citröen preto em que chegaram e no qual estaria um terceiro homem a conduzir. Os homens vão gritando “Vingámos o profeta! Matámos o Charlie Hebdo!”, de acordo com várias testemunhas.

A viatura da polícia é atingida várias vezes pelos fugitivos – imagens revelam 15 buracos de balas no vidro da frente. Depois de progredirem, os homens abandonam o veículo e disparam na direcção de um polícia, ferindo-o. Um deles dirige-se até à sua vítima, que no chão lhe pede para não disparar. À queima-roupa, o homicida não hesita e atinge o polícia que deixa de se mexer. Tudo foi gravado por testemunhas que se encontravam num prédio em frente.

Os homens retomam a fuga até à Porta de Pantin, no Nordeste de Paris, onde mudam de viatura, depois de atropelarem um peão. O terror tinha durado menos de 20 minutos. O Presidente francês, François Hollande, dirigiu-se de imediato para o local dos homicídios para garantir que os responsáveis “vão ser perseguidos durante o tempo necessário para os apanhar”. Hollande não escondeu que a França está num “momento extremamente difícil” e que foram evitados vários outros ataques nos últimos tempos.

Uma das primeiras medidas tomadas foi a actualização do grau de risco de segurança para a categoria de “alerta atentado” para toda a região parisiense. De acordo com a nova reconfiguração do plano Vigipirate, em vigor desde Fevereiro de 2014, este nível corresponde ao antigo alerta escarlate. Apenas por uma ocasião é que este alerta foi accionado, após os atentados de Mohamed Merah em Toulouse, em Março de 2012, que fizeram sete vítimas.

Apesar de muitos indícios apontarem para um atentado de inspiração islamista, tanto os responsáveis políticos como as forças de segurança se coibiram de atribuir qualquer raiz ao ataque, que não foi reivindicado. Hollande falou simplesmente num “acto terrorista” e, num discurso ao final do dia, apelou à “melhor arma” que os franceses têm ao seu dispor, a “unidade”. Segundo vários jornais franceses, a polícia conseguiu identificar os três suspeitos, mas não revelou qualquer pormenor.

Eficácia militar
Para a operação que começou logo após o ataque foram colocados à disposição “todos os meios do Estado”, garantiu o ministro do Interior, Bernard Cazeneuve. O que é certo, no entanto, é que todo o processo do atentado, culminando numa fuga sem obstáculos, apresenta características próprias de uma operação planificada e premeditada. Os vídeos que circularam após o ataque documentam algumas marcas que apoiam a tese de que os autores tiveram treino militar. “Vê-se claramente pela forma como têm as armas, como progridem calmamente, friamente. Receberam forçosamente uma formação de tipo militar”, explica uma fonte policial, citada pela AFP.

Para Frédéric Gallois, um antigo comandante do GIGN, uma força de intervenção especial das Forças Armadas francesas, foram utilizadas “técnicas de guerrilha” no ataque ao Charlie Hebdo. “É uma verdadeira operação de comandos: vêm, atiram e batem em retirada. Para além disso, possuem um armamento de guerra e uma técnica de tiro que demonstra o seu nível de preparação”, disse o ex-agente ao jornal L’Express. O facto de o ataque ter tido lugar no dia da reunião editorial do jornal também pode ser interpretado como um sinal de preparação, observa Gallois.

“Eles tiveram que fazer preparações, tirar fotos e interrogar as pessoas. As fases de preparação são muito difíceis de antecipar e descobrir pelas forças de ordem”, acrescenta o antigo comandante.

Evidente parece ser também o objectivo fixado pelos terroristas do qual não se desviaram. Antes de entrarem no edifício da publicação, os dois homens pararam na entrada do número 6 da mesma rua. No entanto, “ali eles não dispararam, não se perturbaram e dirigiram-se ao número 10, a sede da redacção do Charlie Hebdo”, explicou uma fonte policial. Da mesma forma, assim que penetraram no edifício, os homens perguntaram pelo nome de alguns jornalistas específicos, que assumiram como alvos, de acordo com o relato de um polícia ao jornal Libération: “Era Charb o objectivo.”

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