Terrorismo no Norte de África e Sahel ameaça Portugal, Espanha e Itália

Desfecho negativo das negociações sobre a Base das Lajes pode prejudicar relações com os Estados Unidos, avisa Rui Machete na abertura perante embaixadores e diplomatas portugueses.

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Rui Machete esteve no BPN/SLN de 2001 a 2009 MIGUEL MANSO

Portugal, Espanha e Itália são os países europeus ameaçados, numa primeira linha, pelos fenómenos de terrorismo ocorridos no norte de África e Sahel, disse esta terça-feira o ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros. Rui Machete falava na sessão de abertura do seminário diplomático, no Museu do Oriente, em Lisboa.

“A situação de instabilidade securitária interna propícia às actividades de vários grupos terroristas e milícias armadas e as interligações crescentes que se têm observado entre movimentos terroristas e diversos tipos de tráfico ilícito, com realce para o narcotráfico são preocupantes”, admitiu o chefe da diplomacia portuguesa. “A Europa e, em particular a Península Ibérica e a Itália, encontram-se cada vez mais ameaçados por estes desenvolvimentos."

Numa intervenção de pouco mais de 21 páginas sobre a actividade do Ministério dos Negócios Estrangeiros (MNE), o seu titular abordou, em dois momentos, esta ameaça. Primeiro, referindo-se à situação na Síria e no Iraque depois de, em 29 de Junho de 2014, se ter reivindicado o Califado ou o chamado Estado Islâmico (EI). Depois, tratando os últimos desenvolvimentos no Norte de África.

“O chamado califado islâmico, evocando a antiga forma teocrática medieval do exercício do poder, resume em si todo um programa de acção política e arroga-se uma legitimidade religiosa que anteriores grupos terroristas não possuíam”, alertou Machete. “O Califa assume-se como um descendente do Profeta, um chefe político, um comandante militar, a quem todos devem obediência, a sua missão é, para além do governo da comunidade, alargar o território e o número dos seus fiéis”, especificou.

Esta reivindicação inclui o Al-Andaluz, o território da Península Ibérica, ou seja, Portugal e Espanha. “Com este regresso a um ideário dos tempos medievais abandona-se de um só golpe a ideia da Democracia, do Direito Internacional, dos Direitos Humanos, do Estado Nação e das suas fronteiras, mas mantém-se a referência ao território e à organização administrativa que lhe empresta as características de um proto Estado”, analisou o chefe da diplomacia portuguesa.

Uma característica que diferencia o autoproclamado EI de outros grupos terroristas. “A sua mensagem é dotada de um carácter messiânico radical que não se dirige apenas a alguns países ou regiões mas que aspira a ser universal”, observou Rui Machete.

O ministro destacou, ainda, as formas peculiares de actividade do EI: a comunicação pessoa-a-pessoa, o recurso aos meios de comunicação de massa, como a televisão, redes sociais e tecnologias mais modernas. Tudo isto “tem permitido um terrorismo de contacto íntimo e eficaz”.

Daí o alerta: “Não tenhamos dúvidas, estas organizações terroristas têm hoje acesso ao quotidiano dos jovens que consideram alvos preferenciais de recrutamento.” Com o fim das normas do Direito Internacional, “só a força das armas é capaz de se opor à acção brutal dos opressores, os quais submetem os seres humanos que dominam à doutrina totalitária que os orienta ou, pior ainda, a uma vontade inteiramente arbitrária”.

Dito de outra forma: estamos “perante um inimigo que requer, para ser vencido, instrumentos de combate mais sofisticados e uma abordagem militar diferente”. Razão pela qual, desde Novembro, Portugal está envolvido na coligação internacional, que reúne 60 países e organizações.

Como mancha de azeite, o EI tem estendido a sua actividade. Estados falhados, como a Líbia, albergam campos de treino das suas milícias. Mais a Sul, a complexa situação no Golfo da Guiné permite toda a espécie de tráficos – de drogas aos de seres humanos – e uma actividade amparada, também, no negócio de armas, pirataria e comércio ilegal de petróleo. Esta é a infra-estrutura económica de organizações radicais que operam naquela área.

“O Norte de África e a região saheliana e subsaariana também têm sido atingidos pelo fenómeno do terrorismo”, concretizou o chefe da diplomacia portuguesa. Uma realidade que ameaça países que participam com Portugal no “processo de diálogo 5+5” – Marrocos, Tunísia, Argélia, Mauritânia e Líbia. Com algumas das capitais destes Estados, como Rabat, Tunes e Argel, Lisboa realiza cimeiras de cooperação e tem fluxos económicos bilaterais. O que, por si só, justifica a preocupação.

A Grécia e o Reino Unido como problema
Noutro ponto da análise das relações internacionais, Rui Machete referiu-se à relação transatlântica com os Estados Unidos. Neste caso, o chefe da diplomacia e antigo presidente da Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento, referiu-se às implicações do futuro da base militar das Lajes, na ilha açoriana da Terceira, nas relações com os Estados Unidos.

“O Governo português continua a manifestar a sua total disponibilidade para trabalhar com os Estados Unidos na procura de uma solução que garanta a maximização quanto à utilização da Base das Lajes”, disse o ministro. “Seria aliás prejudicial para as nossas relações bilaterais que Portugal não tivesse um resultado positivo neste longo e complexo processo”, garantiu.

Sobre a União Europeia (UE), Machete defendeu menos assimetrias ao financiamento dos Estados-membros, sobretudo os que foram mais afectados pela crise. Não evitando uma nota de optimismo sobre a União Europeia (UE), o titular da pasta dos Estrangeiros referiu-se a desafios. Entre os quais, a união bancária e o fortalecimento dos instrumentos de política económica. “Chegou o momento de um verdadeiro debate sobre a ambição da UE em matérias decisivas para a competitividade das nossas economias, como o mercado único, o dossiê energia ou as políticas de industrialização, inovação e desenvolvimento”, disse.

Como orador convidado da sessão de abertura do seminário diplomático, iniciativa por ele montada enquanto ministro dos Negócios Estrangeiros, José Manuel Durão Barroso falou da sua experiência de dez anos à frente dos destinos de Bruxelas.

Numa intervenção claramente optimista, o antigo presidente da comissão referiu que a crise económica dos últimos anos não foi prevista pelas organizações internacionais. “Não foi antecipada pelo FMI e outras instituições, à excepção do Banco Internacional de Pagamentos”, referiu, omitindo qualquer referência ao labor da comissão que presidiu durante uma década.

Durão Barroso referiu-se aos contornos da crise, “a primeira da era da globalização”, com um exemplo gráfico: a crise grega pôs em causa a estabilidade mundial, a crise começou por ser financeira e veio a desembocar numa crise económica e social, e na falência das elites.

“Não vamos voltar ao status quo antes desta crise”, previu, referindo o que definiu como resiliência da UE – manutenção do euro como moeda única e alargamento da zona euro de 15 para 19 países, a e União de 19 para 28 estados-membros. “A comissão europeia lutou por uma visão de conjunto, foi um processo progressivo, não foi fácil reunir o consenso”, garantiu.

“Não actuámos apenas como bombeiros mas, também, como arquitectos”, recordou, reconhecendo que ainda estão por edificar partes do edifício europeu, como a união económica e monetária. Mas congratulou-se com outros passos. “Nos mecanismos estruturais que dão mais poderes à comissão europeia – como vetar o Orçamento de um estado-membro antes deste ser apresentado ao Parlamento nacional”, exemplificou, abordando o processo de transferência de soberania.

“Na resposta à crise, os passos foram sempre para mais e não para menos, com muitas hesitações e polémicas”, admitiu Barroso. “As peças a favor da integração são mais fortes que as contrárias, precisamos de solidariedade e responsabilidade, uma exigência que se traduz em respeitar os compromissos assumidos, nomeadamente o Pacto de Estabilidade e Crescimento”, disse.

Sobre os desafios imediatos, Durão Barroso referiu a subida das correntes eurocépticas e nacionalistas, o envelhecimento populacional e o desequilíbrio demográfico, e a necessidade de os estados-membros não considerarem a UE como uma potência exterior.

Mais directo foi quando referiu a Grécia e o Reino Unido como dois “perigos” no horizonte comunitário. “Aceitamos todos os resultados eleitorais, mas os países devem assumir as suas responsabilidades e obrigações a nível internacional”, advertiu, antevendo a ida às urnas dos helénicos a 25 deste mês.

“Penso que o Reino Unido vai continuar na União Europeia, mas quando se lança um processo destes há apenas uma lógica de sim ou não, muito sensível”, comentou a promessa de referendo sobre a continuidade na UE de David Cameron.

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