2015: Quatro efemérides da liberdade europeia

Se houve um traço específico inglês na tradição europeia da liberdade, argumentou Churchill, esse traço residiu na recusa do abandono dessa mesma tradição europeia.

Celebraremos, neste novo ano de 2015, quatro datas marcantes da tradição da liberdade ordeira que distingue a Europa e o Ocidente.

No próximo dia 24 de Janeiro, passam 50 anos após a morte de Winston Churchill, o homem que, em Maio de 1940, encabeçou a resistência britânica ao nazismo triunfante no continente europeu, e que, em 1946, primeiro denunciou a Cortina de Ferro que o comunismo soviético impusera sobre a Europa central e oriental. A 9 de Maio, celebraremos os 70 anos do fim da II Guerra, com a derrota do totalitarismo revolucionário nazi e a parcial vitória das democracias (só completada em 1989, com a queda do Muro de Berlim, cujo 25o. aniversário celebrámos em 2014). A18 de Junho, completam-se 200 anos sobre a derrota do vanguardismo inovador napoleónico, em Waterloo. Três dias antes, a 15 de Junho, celebram-se os 800 anos da Magna Carta, assinada em Runnymede, perto de Windsor, em Inglaterra, em 1215.

Existe alguma ligação entre estas quatro datas? Para muitos observadores, nenhuma existirá, para além das contingências acidentais do calendário. Para outros, no entanto, existe uma ligação profunda. Ela foi enfaticamente sublinhada por Winston Churchill, sobretudo no livro A History of the English-Speaking Peoples.

A obra, com quase 800 mil palavras em quatro volumes, foi publicada entre 1956 e 1958 e constituiu o último livro de Churchill — o último de mais de 20 livros por ele publicados. No entanto, o livro fora iniciado nos finais de 1932, cerca de 25 anos antes da publicação.

Nessa data, Churchill encontrava-se em total solidão política — que iria manter-se até voltar ao Ministério da Marinha, em 1939, e depois a primeiro-ministro, em Maio de 1940. Essa solidão, que basicamente durou de 1929 a 1939, era em grande parte, embora não exclusivamente, devida à crítica pública e sistemática que dirigia ao governo do seu próprio partido conservador — que ele acusava de tentar apaziguar Hitler, em vez de o enfrentar.

Foi neste contexto, de solidão política e de apreensão crescente com a subida dos autoritarismos revolucionários na Europa, que Churchill se lançou, no final de 1932, no empreendimento de Uma História dos Povos de Língua Inglesa.

Churchill via com apreensão, mesmo com angústia, o declínio da nobre tradição da liberdade europeia sob os ataques convergentes da extrema-esquerda e da extrema-direita revolucionárias continentais. No cabo Hitler, no ex-socialista Mussolini, nos fanáticos das estepes Lenine e Staline, Churchill via a ameaça funesta dos populismos revolucionários: a ameaça da vontade revolucionária sem entraves, protagonizada por minorias ululantes que ocupavam as ruas e condenavam os partidos parlamentares legitimamente eleitos.

Todos tinham em comum a promessa de um mundo radicalmente novo, anti-burguês, anti-pluralista e antiparlamentar, como eles próprios diziam. Em nome dessa promessa inovadora, exigiam a subversão das regras imparciais da lei, igual para todos, e dos limites constitucionais e parlamentares à vontade de vanguardas auto-nomeadas como representantes dos “verdadeiros interesses” do povo ou da nação. Ambos reclamavam a vontade única de um Estado total.

Terá sido por isso que Churchill persistiu em escrever Uma História dos Povos de Língua Inglesa ao longo de 25 anos. Ele queria recordar o contributo da cultura política de língua inglesa para a conservação e evolução gradual de uma tradição de liberdade ordeira que era primordialmente europeia — não especificamente inglesa.

Se houve um traço específico inglês na tradição europeia da liberdade, argumentou Churchill, esse traço residiu na recusa do abandono dessa mesma tradição europeia. Por outras palavras, na recusa das rupturas inovadoras protagonizadas por poderes centrais ilimitados.

Para Churchill, essa tinha sido a principal mensagem europeia da Magna Carta de 1215: a protecção das liberdades pessoais e das instituições intermédias da sociedade civil, bem como a limitação de todos os poderes, sob a comum protecção da lei e do Parlamento. Inspirados por ela, os ingleses defenderiam mais tarde as liberdades tradicionais europeias — contra o vanguardismo inovador de Napoleão, depois contra os totalitarismos revolucionários de Hitler e Mussolini, finalmente contra o totalitarismo revolucionário de Staline.

Para Churchill, a grande virtude dos povos de língua inglesa não tinha sido a “invenção” da Magna Carta de 1215 — que era basicamente uma de várias cartas das liberdades europeias. A grande virtude tinha residido em terem-na conservado. Foi porque a souberam conservar, argumentou Churchill, que os povos de língua inglesa foram capazes de fazer todas as “revoluções” da época moderna sem precisarem de recorrer à Revolução.

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